quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Fool me once, shame on you. Fool me twice, shame on me.

Quarto de casal. Sentada na cama, Clara vasculha a caixa de jóias da Mãe. Mãe está de pé e vai observando as escolhas da filha.

CLARA: Gosto deste solitário.

MÃE: Então leva esse.

CLARA: É melhor não. Depois parece que estou noiva.

MÃE: Então, isso é bom!

CLARA: Não, Mãe. Não posso andar por aí com ar de comprometida.

MÃE: Ai filha, que medo que tens de não encontrares ninguém. Vai ser agora no curso, quando voltares à faculdade.

CLARA (com olhar irónico): Um artista, um maluquinho do cinema?

Pausa dramática.

MÃE (com expressão desesperançada): Ah... Pois...


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Avaliação de um pretendente assim, por exemplo.



Podia ser:

- Cães ou gatos?
- Ateu ou crente?
- Benfica ou Sporting?
- Livros ou desporto?
- Cinema europeu ou Hollywood?
- Preto ou branco?
- Bife ou soja?
- Domingo na rua ou em casa?


Mas talvez baste pegar nele, levá-lo à exposição dos brasileiros OsGêmeos no Museu Berardo e mandá-lo espreitar para dentro da caixa com óculos-lupa que lá se encontra. Se, ao ver o que está lá dentro, sorrir, vale a pena dar-lhe atenção: é porque tem qualquer coisa de optimista, de inocente, de genuíno, sem a qual o amor não acontece.

Quem ainda não foi ver "Pra quem mora lá, o céu é lá", ainda têm uma semana. Uma experiência que tem só um preço: fazer pensar.

domingo, 5 de setembro de 2010

The Marc Pease (scary) Experience ou Porque vale a pena olhar duas vezes para o bilhete de cinema

Cá vai disto.

Sexta-feira foi noite de ir ao cinema com a Ana, amiga que a Gema me deixou em herança. Decidimos ver The Box, um filme com a Cameron Diaz que não é uma comédia romântica (já aguça a curiosidade, não é?). Tive o cuidado de olhar para o cartaz e dizer o nome em português, a tradução literal "Presente de Morte", "dois bilhetes para..., um com Medeia Card".
Entrámos, a tempo de ver alguns trailers e, em surdina, fomos comentando outros filmes que estavam em cartaz. Um deles, tinha a actriz Anna Kendrick, que fez um trabalho brilhante no não menos brilhante filme Up in the Air. Comentei:
- "Aquilo deve ser uma comédia qualquer, é com o parvo do Adam Sandler. Deve ser muito mau."
De repente, começa o filme. Aparece Jason Schwartzman e, logo a seguir, Adam Sandler. "Não, este é o Ben Stiller", diz a Ana. Pronto, o Ben Stiller. Para mim, são uma e a mesma pessoa. Começamos por rir nervosamente. "Então mas este também entra aqui. Ah ah ah... nós a dizermos mal... ah ah ah". O riso pára quando eu decido olhar para o bilhete e leio "A Vida Desafinada". Pânico! Raiva! Então não é que a FDP da mulher da bilheteira nos deus bilhetes para aquilo?? Enganada, que eu tenho a certeza de que disse "Presente de Morte", uma pessoa não esquece que disse "Presente de Morte".
Como a hora já não permitia ir trocar o bilhete nem ver outro filme, respirámos fundo e pensámos que o filme seria assim uma espécie de despedida do Verão e do seu cinema tonto. Podia ser que ainda desse para rir um bocadinho com a comédia e chorar um bocadinho com a romântica.
Mas aquilo nem era comédia, nem era romântica, tinha música mas não era um musical. Posso dizer-vos muitas coisas que o filme não é, mas não consigo descobrir o que é. A Ana adormeceu. Eu nem consegui, de tão atónita.
A Anna Kendrick a fazer de miúda de 18 anos, numa escola secundária que vive para o dia em que põe em cena um musical inspirado no Feiticeiro de Oz. O Jason Schwartzman com um cabelo indiscritível. O Ben Stiller a fazer de Tom Cruise, tendo em conta os gestos, as expressões e o corte de cabelo. E todos eles, mais os personagens secundários, pareciam atrasados mentais. Um filme de gente retardada para gente retardada. Eu ainda tenho a sensação de que aquilo é cinema de beneficiência, organizado pela CERCI de Los Angeles, e que os bilhetes revertem a favor dos actores considerados cidadãos inadaptados. Por uma questão de altruísmo, as senhoras da bilheteiras têm ordens para dar bilhetes daquilo às pessoas, como se fosse por engano.
Só pode ter sido por bondade que a Kendrick, depois de nomeação para Óscar e tudo, e o excelente Schwartzman aceitaram fazer um filme em que o Ben Stiller canta e em que um grupinho tipo Tetvocal faz um medley que temos de ver... na íntegra.
E quando se pensa que há ali um conflito e que a personagem vai finalmente revoltar-se e dar porrada nos maus e reconciliar-se com a garota ao pôr do sol, o filme acaba. Nem ele faz chantagem com o mau, apesar de ter provas de que este andou a mexer com a miúda dele, nem acaba aos beijinhos com ela. Acaba ao piano... a cantar.
Quando derem por vocês a pensar "aaah, não tenho nada para fazer, vou ver aquele em que o Adam Sandler, ai, não, o Ben Stiller canta e não sei quê", pensem melhor. De certeza que têm alguma coisa mais interessante para fazer. Tipo contar manchas de bolor no tecto. Ou olhar para uma parede branca. Ou ler no IMDB a filmografia do Adam Sandler.



PS.: Há aqui coisas que parecem ter uma ligeira piada, mas é só porque estão retiradas do seu contexto. Não se enganem.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Porque o melhor escritor da nova geração da literatura portuguesa merece

Hoje vou dar uma de Pipoca e responder a um comentário que surgiu ao meu post anterior, sobre o novo livro do João Tordo, "O Bom Inverno".

O comentário:

"Só posso dizer que se for tão bom como as 3 vidas (sobre os 2 primeiros nada posso dizer) é um desperdício de papel. Em literatura portuguesa contemporânea, não me lembro de coisa mais delirante e descabelada (conseguindo, no entanto, ser exasperantemente monótona), mais privada de qualquer sentido de humor ou de ironia... Nenhum detalhe nos poupa o JT (que devia chamar-se antes joão pardo), o suposto delfim do josé saramago. A elipse não existe para ele, e assim, um conto ou uma novela medíocres incharam até ás 300 páginas. Como vai nu esse rei (mas como a rainha-mãe e o ex dela são quem são, e portugal é o que é, não hão-de faltar os arautos a proclamá-lo - outra vez - um génio...). Não perca tempo com o JT, que a vida é curta, mesmo para jovens como você e a sua colega, e o que não falta são grandes livros..."

Caro Anónimo:
Como diria Jack, o Estripador: vamos por partes.
Primeiro, estou a contar que "O Bom Inverno" seja tão bom ou melhor do que "As Três Vidas". Mau acho muito difícil que seja, já que, pelo que tem mostrado, o João Tordo não tem a capacidade de escrever maus livros. Tenho a certeza de que não será um desperdício de papel - pode apaziguar as suas preocupações ambientais.
Segundo, isso de o romance não ter sentido de humor ou ironia não me parece sinónimo de coisa má. Que eu saiba, há muito boa literatura que é desprovida dessas duas características (que o João Tordo, aliás, pessoalmente, tem a rodos). Tanto o humor como a ironia são coisas muito portuguesas e não se encontram frequentemente na literatura anglo-saxónica, inspiração assumida do João. Os escritores não têm de ser todos Eças ou Saramagos para serem bons. O que nos leva ao próximo ponto.
Não sei bem o que significa ser o "delfim do Saramago", mas penso que se refira ao prémio que o João Tordo ganhou este ano (muito justamente, a meu ver). O nome do prémio não significa que o vencedor do mesmo seja um protegido do José Saramago. Este, aliás, até onde me lembro, nem faz parte do júri. O próprio João Tordo afirma que o Saramago não deve gostar especialmente dos seus livros, inspirados na tradição inglesa e americana no que toca à maneira de contar histórias (ou seja, o mais importante é a história e é esta que prevalece, mais que as figuras de estilo, o simbolismo ou a estética da escrita - e isto não é pior ou melhor, é diferente).
Quanto à forma como uso o meu tempo, agradeço a sua preocupação. No entanto, conto-lhe um segredo (e que é o mais importante desta história toda): a literatura não é ciência, é arte. E a arte, podendo ser objecto de avaliação e crítica, assenta no impacto que causa em quem a aprecia. Essa é, do meu ponto de vista, a avaliação fundamental e última: ou emociona ou não. Posso até achar que certos autores escrevem muito bem, mas os seus livros não me dizerem nada e não conseguir passar da primeira página. Quanto ao João Tordo, calha que ele escreve muitíssimo bem e os seus livros agarram-me, da primeira à última palavra.
Não me esqueci da sua referência tão portuguesa em relação aos progenitores do João Tordo, o chamado factor C. Compreendo-a perfeitamente: a mãe e o pai do João têm de facto uma influência extraordinária no mundo editorial, principalmente junto a uma editora maleável e fraquinha de espírito como a Maria do Rosário Pedreira. Dos seus pais não posso falar, já que nem me deu uma pista do seu apelido. A ironia chegou-lhe ou precisa de mais um bocadinho?