terça-feira, 29 de dezembro de 2009

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Ai ai ai, o meu sistema nervoso

Eu no metro e ela ao meu lado. Ploc ploc. Com um daqueles casacos de plástico enchido que deviam ser proibidos. Porque é que as pessoas gostam de andar na rua como se estivessem enroladas num endredon? E a música muito alta, mas não alta o suficiente para eu entender qual é. Apenas o volume necessário para que eu ouvisse o ritmo, só o ritmo, meio hip-hop, meio kizomba, um ritmo que me fez olhar para ela de lado e sobrancelhas franzidas. E ela "ploc ploc". A pastilha elástica a estalar dentro da boca. Incessante. Ploc ploc ploc ploc.
E eu a ler a mesma frase sem parar e sem conseguir avançar: "Virou-se para lançar um olhar à margem oposta". Um senhor senta-se à frente da mulher-edredon e vejo no seu subtil levantar de queixo que se arrepende quase no mesmo instante. Ploc ploc. Na minha retina "Virou-se para lançar um olhar à margem oposta" e tenho tempo para pensar que margem é uma palavra bonita e que o Natal está aí e quase não dei por ele e que o homem do livro se virou para lançar um olhar à margem oposta. E a outra, ploc ploc.
Aquilo já atravessou os ouvidos, já está no centro do cérebro, como um martelo, ploc ploc ploc. É aí que me levanto, me viro para ela, puxo-lhe os cabelos com madeixas duvidosas e lhe digo: "estala lá a pastilha agora, minha cara de cu vestida de colchão, estala lá se queres ver, puta!"

Fui Ally McBeal naquele momento. Abano a cabeça e pisco os olhos que nem por um momento se desviaram daquela frase e a rapariga, impávida e serena, ploc ploc, sai no Jardim Zoológico.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

At the end, it's all about this:

Gema: Porra! Vale a pena ganhar este concurso só pelo prémio. Morri de inveja.
Clara: Nem reparei. Qual é o prémio?
Gema: Tinhas de ver, dito não é tão bom como ao ver as imagens. 6 meses na London Music School, a viver num condomínio de luxo.
Clara: A mim soa-me muito bem, mesmo por sms!! Porque é que eu não concorri a esta merda? Mas eu não tenho o cabelo comprido, não passava.
Gema: Pois é, sem cabelo comprido não dá. Eu já tenho uma franja, talvez me safasse.
Clara: LOL, sim tu tinhas mais hipóteses. Como é que não havia de sair aquela? Com aquele vestido azul-piscina, eu também não conseguiria cantar!

sábado, 12 de dezembro de 2009

Sabedoria feminina

Empiricamente comprovada. Surgiu-me no meu cérebro de cientista social / miúda sem muito em que pensar (excepto trabalho sem fim, aulas de espanhol, aulas de ballet, família, amigos, ainda bem que não tenho namorado, oh céus, nunca pensei dizer isto), após notar determinadas subtilezas do comportamento masculino. Mais uma vez, mulheres desvendam os infindáveis sinais corporais do sexo oposto.

A hipótese (que não se deve pôr na negativa, mas que se lixe, também não sou assim tão cientista) era:

Mulher, um homem não está atraído por ti quando, ao te abraçar, te dá palmadinhas nas costas.

Observação no campo e várias experiências (não propositadas, na verdade) permitem-me afirmar que esta hipótese pode agora ser considerada um facto científico. Reparem lá e depois venham dizer-me que não tenho razão.


Nota: Atenção que eu não disse que, quando um homem abraça decentemente, está atraído por ti, mulher. Relax, não inventes já histórias de amor onde elas não existem.

Nota 2: Ao contrário do que é habitual na minha depressiva pessoa, este estudo não advém de nenhum interesse particular nem comprova um qualquer desgosto amoroso. É apenas o meu eu observador em funcionamento.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Fotografia de Madrid

Queria roubar as palavras do Peixoto. Queria roubar e roubei. Acho que sentimos os dois da mesma forma. Ele escreveu. Eu roubei. Uma divisão justa, parece-me.
E Madrid ficou tão bem na fotografia.

Madrid regressará sempre. São precisos anos
para aprender aquilo que apenas acontece com
a distância de anos. É por isso que posso afirmar
que Madrid regressará sempre. Não sei que tipo
de entendimento encontrámos. Eu e Madrid não
nos conhecemos bem. Sabemos o essencial e
inventamos tudo o resto. Tanto a minha vida,
como a vida de Madrid, já tiveram muitas formas.
No entanto, quando nos encontramos, somos
sempre o mesmo nome. Avaliamo-nos por
cicatrizes e pequenas marcas de idade.
Não estabelecemos metas, estamos cansados.
Eu e Madrid só queremos uma cama, mas,
se não houver, contentamo-nos com o chão e,
se não houver, contentamo-nos com um abraço.


(JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in "Gaveta de Papéis")

domingo, 6 de dezembro de 2009

Ó vida injusta

É inteligente?
É.

É divertido?
É.

É estimulante?
É.

É bonito?
(oh y)É.

É casado?
É.

Pois.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Let me take you down...



...'cause I'm going to Strawberry Fields
Nothing is real and nothing to get hung about
Strawberry Fields forever

Living is easy with eyes closed, misunderstanding all you see
It's getting hard to be someone but it all works out
It doesn't matter much to me

No one I think is in my tree, I mean it must be high or low
That is you can't you know tune in but it's all right
That is I think it's not too bad

Always know sometimes think it's me, but you know I know and it's a dream
I think I know of thee, ah yes, but it's all wrong
That is I think I disagree


Let me take you down 'cause I'm going to Strawberry Fields
Nothing is real and nothing to get hung about
Strawberry Fields forever

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

2:30 da manhã, via SMS















C - Foi giro o concerto?

G - Sim, foi muito muito giro e fiz duas descobertas que vão mudar o rumo das nossas vidas. Primeira: o jardim de inverno do S. Luís é O espaço que nós procuramos para a nossa passagem de ano glamourosa. Segunda: ouvir Dead Combo é o que nós precisamos para criar histórias para cinema. Nascem coisas nas nossas cabeças a ouvir aqueles jovens. Temos de retomar um exercício que eu fazia em Oficina de Expressão Dramática, que consiste em ouvir uma música e escrever uma história sobre o que estás a ouvir, escrever o que aqueles sons te sugerem. Acho que pode ser este o caminho.

C - Uau! Como é que consegues dizer essas coisas a esta hora? A minha cabeça neste momento é uma nuvem: fofa, mas sem substância. Gosto de saber que tens um rumo para as nossas vidas. Enquanto descobres o elixir da vida, eu leio coisas destas no facebook: o que é um ponto vermelho numa floresta a pular de árvore em árvore ? É um morangotango.

G - Tenho! Agora só precisamos de tempo e determinação. E precisávamos de explicar às pessoas que "mandam" em nós que ir para o escritório todos os dias não é o caminho. Estive uma semana inteira fechada naquele sítio e o meu cérebro parecia uma massa amorfa. Hoje saí à rua e fiz coisas interessantes e já estou aqui com as ideias a fervilhar. Achas que algum dia nos vão compreender? É que se eu continuar a fazer a vida da primeira temporada, só me vão sair coisas como essa do morangotango.

C - Pois, compreendo-te perfeitamente. É que é mesmo isso: uma pessoa não tem ideias brilhantes sentadinha numa cadeira em frente ao pc o dia todo. É como diz o McKee, a inspiração está por aí, à nossa volta, nas ruas da cidade.

G - Aiiiii que drama!!! Eu acho que nós devíamos ter dinheiro de produção para copos e cafés e passeios de eléctrico, peças de teatro e concertos. Ou então não somos verdadeiras artistas e não conseguimos imaginar mundos sem sair de casa... Se calhar é um problema nosso, já que toda a gente cria coisas entre 4 paredes.

C - Não sei se é assim. Olha o J: quer escrever um livro passado em Berlim, o que é que faz? Vai não sei quantos meses para Berlim. As histórias e as ideias estão todas aí, temos é de abrir os olhos enquanto andamos por aí. Claro que depois há pessoas como o Bolaño, que tem Deus a segredar-lhe coisas ao ouvido.

G - Eu estou com o meu nas mãos. Não é justo!

C - Temos de aceitar. Toca a muito poucos. Por isso é que ele também não esteve cá muito tempo. Deus nunca deixa que a gente os agarre. O lambão.

G - Ele não podia ficar cá mais tempo. Cumpriu a sua missão na terra e bazou. É assim que tem de ser. A grandiosidade do ser humano está em saber quando sair de cena.

C - Sim. É como a Oprah.

sábado, 21 de novembro de 2009

D. Nuno, o Bravo


Coragem é deixar o país, ir para o outro lado do mundo, em direcção ao desconhecido. Fazer isso tudo de olhos húmidos e aperto no peito ao dizer adeus aos três filhos pequenos não é coragem. É amor.
O meu primo Nuno, número dois da contagem, pai (de uma prenda da vida e duas surpresas da vida), marido, amigo, defensor até à última consequência dos irmãos e dos primos, o monárquico mais engraçado que existe, foi hoje para Moçambique. Um cargo de responsabilidade bem remunerado é muito apelativo, mas não foi essa a razão da sua partida. Foi antes por saber que essa remuneração é necessária para que os filhos cresçam com o conforto todo que lhes quer dar - e isso não encontrou aqui.
Coragem é agarrar as oportunidades quando elas surgem. Receber de peito aberto a amargura que trazem consigo é amor.

Não te preocupes. Aproveita para conheceres o cheiro de África, absorve tudo o que essa terra (que parece não querer descolar-se da nossa família) tem para te oferecer. Trabalha, diverte-te, conhece, cresce. Não te preocupes. A tua S., o teu J., os teus pequeninos A. e M. vão ter saudades tuas, mas não conhecerão um minuto de solidão. Vamos mimá-los até à exaustão.
E não te aflijas. Os teus filhos nunca te sentirão ausente: sabem que estás longe mas sempre com eles, sempre por eles. Vão crescer e orgulhar-se do pai aventureiro que foi buscar uma vida boa para eles ao avesso do globo. E vão dizer-te muitas vezes "quando nos levas lá, pai"?

Sentiremos a tua falta, no Natal principalmente. Estará lá o teu lugar, o teu espaço, mas não vazio: antes o teremos cheio do orgulho que sentimos por ti, pela tua coragem e pelo teu amor.

Nem adeus nem até breve. Não saíste daqui.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Flashmob/Promo 5 para a meia noite

HOJE, PONTO DE ENCONTRO ÀS 21:30 NO LARGO CAMÕES.

Apareçam mascarados, nus, levem amigos, família, animais de estimação, objectos luminosos, electrodomésticos, legumes, álcool (que deverá ser entregue à produção), etc. E, para sabermos que vão da parte do Ovo, podemos combinar um sinal: vão ter connosco e entregam-nos um objecto qualquer, sei lá, deixa ver, um par de sapatos Louboutin ou uma vespa ou isso.

Tudo se passará ao som desta musiquinha (será que conseguem decorar a letra para hoje?):

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Quando chove em Havana

Em Havana apercebi-me de que há sentimentos que só nós, os portugueses, podemos ter. Como é que se explica a um cubano a nostalgia de um dia de inverno, em que está frio e a chuva bate na janela? Um dia em que o nosso único desejo é cair no sofá, enrolados numa manta polar, até o sol se dignar a aparecer outra vez? Como é que se explica a um cubano que, em noites de inverno como esta, eu ponho Regina Spektor a tocar e jogo solitário no computador, à espera que as horas passem mais depressa? Que é nestes dias que eu mais queria que o telefone tocasse? Que nestes dias eu sinto a malvada da saudade?

Em Havana, um dia cinzento, com ventos loucos de muitos quilómetros por hora e chuva constante, é um dia de alegria. Há amigas de chinelos nos pés a correr pelo Malecon, tentando apanhar o momento em que a água vai galgar o muro e elas vão ficar encharcadas dos pés à cabeça. E são tão felizes, de mãos dadas, a tremer de frio, e a rir. Acho que, do outro lado da estrada, debaixo do guarda-chuva amarelo e com a ponta do nariz vermelha, consegui vê-las em câmara lenta a sorrir e a correr, quando eram apanhadas pelas ondas gigantes. (Que cliché… mas que se lixe! Deixem-me ser pirosa nas minhas memórias.)

Num dia de chuva em Havana, o doce Saul veste uma camisola de manga comprida vermelha da Lacoste e abre os braços, num sorriso puro, quando diz que fomos apanhados pela frente fria. Ninguém apressa o passo nas ruas e parece que nem reparam que os cabelos voam desgrenhados pelo vento. Ninguém parece aperceber-se de que a chuva não pára desde que começou o dia e só os turistas se escondem nos cafés e nas esplanadas cobertas.

No único dia de chuva que houve em Havana, nós ainda perdemos uns minutos com este vício tão português que é o termos pena de nós próprios. Fizemo-lo as duas, em silêncio no nosso quarto enquanto nos vestíamos, longe da alegria brasileira e cheias de vergonha de o admitir. Mesmo assim, pusemos os nossos vestidos floridos preparámo-nos para o temporal com leggings e casacos de malha e saímos, não nos deixando render a este sentimento, que é uma herança que ninguém merece.

E a chuva parou nesse final de tarde. Bebemos cervejas e ouvimos a música de um dos promissores talentos de Cuba. Comemos quadrados de chocolate. Andámos pelas ruas daquela cidade sem precisar de mapa. E ouviu-se fado numa avenida em Havana. Bebemos guaraná e comemos hambúrgueres na rua, perto do mar. E fomos dançar num domingo à noite, sem ninguém pensar uma única vez se o dia seguinte era de trabalho ou não.


Ao Brayan, ao Saul e ao Orlandiño por terem feito parar a chuva em plena frente fria do Caribe.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Querida professora Gema


Ficar em casa num sábado à noite pode ser confortável e aconchegante. Quando é por escolha. No passado sábado, dei por mim cheia de vontade de sair. Ora, como toda a gente sabe, uma senhora não vai para os copos sozinha. Tentei contactar alguns amigos: houve quem não atendesse, quem não respondesse à mensagem, quem estivesse a trabalhar, quem me convidasse para ir para o outro lado da ponte (conduzir um carro sobre um rio não se coaduna com "beber copos". Sorry, Fiona*). Deixei deliberadamente de lado os amigos que eu sei que viriam acompanhados. E não me entendam mal: gosto muito de todos os/as namorados/as que apareceram por acréscimo, mas sair com um casal não estava nos meus planos de noite ideal. Been there, done that, e não foi nada agradável, porque, enfim, mesmo que eles nem sejam melosos, uma pessoa lembra-se sempre (com mais força) daquilo que não tem.
Pensando nisso, mandei uma mensagem à Gema, de visita à sua terra natal (Leiria, vai daqui um abraço daqueles.), que dizia: "Preciso de alguém que saia comigo de vez em quando!". Ela, do alto de toda a sua sabedoria, responde:

"Para sair contigo de vez em quando, tens-me a mim. Precisas é de alguém que saia contigo sempre."

Isto é só uma migalha daquilo que ela me ensina, às vezes sem se dar conta. Quase todos os dias ela lembra-me: não exijas menos do que o que mereces. Ela sabe bem que eu tenho tendência para aceitar o mais ou menos, o assim-assim, o eu-sei-mas-ele-é-tão-fixe-toda-a-gente-tem-defeitos-não-fez-por-mal, porque acho que não há melhor para mim. Isto tem especial relevância na minha desastrosa vida amorosa, confesso. Ela tenta sempre lembrar-me:

1. Actos contam mais que palavras.
2. Tira os olhos daquilo que te vai na cabeça e põe-os na realidade.

e esta última, não menos importante:

3. Se ele te quer, que lute por ti.

Ainda não aprendi estas lições, que implicam uma total mudança na minha maneira de ser. Mas estou a esforçar-me, querida amiga, estou a esforçar-me. Conto contigo para as reguadas bem dadas nos momentos certos.

sábado, 7 de novembro de 2009

A dura realidade

Gema: Quero um Beijo.

Senhora: Não há. Mas pode levar o Desejo.

Gema: Pois, mas o Desejo já tenho...

Clara: Eu levo só o Poema.


Risqué: o seu soro da verdade.

(Existe em centenas de cores. Em caso de dúvida ou persistência dos sintomas, consulte o seu fuck buddy ou psicólogo.)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O resistente


António Macedo disse dele: "começou no tempo das músicas proibidas e acabou no tempo das músicas obrigatórias. Nunca cedeu."

Não confundir com "nunca se deu". Deu-se, e muito, aos seus ouvintes, à música, às novidades, ao seu grande amor - a rádio.

Disse-me ao telefone (dias depois tive a felicidade de o receber em estúdio, ele discreto, eu entusiasmadíssima por conhecer a voz mais bonita de Portugal): "A Radar foi a única rádio onde encontrei espaço para fazer o que quero". E o que queria era só dar a conhecer música, embalar-nos noite dentro com os melhores sons que conhecia, sem nunca se curvar a uma playlist. O que fazia era criar rádio.

O Lobo resistiu a quase tudo.

Adeus, Mestre António Sérgio. A fazer-te companhia levas um pedaço enorme de rádio, que não poderia nunca sobreviver sem ti.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A Gema estava na Stradivarius a ver casacos de pele a 19,90€ e ouviu assim:

"Acho que vou começar a engatar gajas nas bibliotecas. Assim tenho mais chances de encontrar alguém interessante".

Era um rapaz que não teria mais de 18 anos, com um tom de voz descontraído, mas sério. Eles andam a ficar espertos cada vez mais novos. Apesar de ser a coisa mais fofa ouvida nos últimos tempos, é também ligeiramente assustadora.

E nós, minha amiga, temos de começar a ir socializar para congressos médicos. Lá é que estão os homens ricos interessantes, que nos podem dar muito dinheiro amor e um futuro cheio de viagens e sapatos sorrisos e carinho.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

clap clap clap, carga de trabalhos

Não resisto a pôr aqui a comunicação que fez o www.cargadetrabalhos.net.

"
estágios no carga de trabalhos

Após bastante consideração, o Carga de Trabalhos decidiu mudar a sua política de publicação de anúncios, passando a rejeitar todos os anúncios nos quais figurem propostas que, segundo o Código do Trabalho em vigor, possam ser consideradas ilegais ou suspeitas.

Ainda que acreditemos na liberdade e responsabilidade individual dos cidadãos e na boa conduta e responsabilidade social das empresas e empresários portugueses, ao longo dos últimos tempos temos detectado um número crescente de ofertas que indiciam algum desconhecimento do direito do trabalho ou das normas do Instituto de Emprego e Formação Profissional e que têm valido ao Carga de Trabalhos várias reclamações e até alguma desconfiança, que coloca em causa o nosso trabalho em prol dos profissionais da área da comunicação.

Assim, lembramos que à luz do Código do Trabalho e de acordo com a opinião de vários especialistas na matéria, entre os quais o Dr. Garcia Pereira, os chamados estágios não-remunerados ou estágios com "ajudas de custo" são claramente ilegais, por constituírem, segundo a legislação, um verdadeiro e próprio Contrato de Trabalho.

Legalmente, todas as relações laborais nas quais exista local e horário de trabalho e em que o trabalhador reporte directamente a uma hierarquia/chefia são automaticamente consideradas contratos de trabalho e são dessa forma obrigados a cumprir vários requisitos legais, como a remuneração no valor igual ou superior ao Salário Mínimo Nacional em vigor, pagamento de Segurança Social e Imposto sobre o Rendimento Singular relativo ao trabalhador, além de 13º e 14º mês (subsídio de férias e de Natal). Lembramos também que para existir um Contrato de Trabalho Sem Termo (ou seja, efectivo ou permanente), não é obrigatório um documento assinado, sendo que esse existe apenas com acordo verbal das duas partes.

Da mesma forma, uma relação laboral com base nestes pressuposto nunca poderá ser remunerada através de Recibos Verdes, visto que estes se destinam à Prestação de Serviços por profissionais liberais ou trabalhadores por conta própria, que trabalham com autonomia, definem o seu próprio local e horário de trabalho, estando apenas obrigados a cumprir os prazos e condições fixados pela empresa, a qual, neste caso, é legalmente considerada cliente e não entidade empregadora.

Alertamos ainda que os indivíduos que, no âmbito de uma situação de Contrato de Trabalho, sejam remunerados com Recibos Verdes, podem a qualquer momento fazer denúncia da sua situação à Autoridade para as Condições de Trabalho, que poderá proceder à inspecção na empresa denunciada, podendo, além de obrigar ao pagamento de todas as contribuições e subsídios devidos ao trabalhador, autuar a entidade empregadora por incumprimento do Código do Trabalho.

[...]

Recordamos também que os estágios denominados curriculares, não representando legalmente uma relação laboral mas sim uma etapa do processo formativo, só podem ser realizados mediante protocolo assinado entre a entidade empregadora e a entidade formadora, que designe um coordenador de estágio para acompanhar o formando. Qualquer estágio não protocolado não pode ser considerado curricular, constituindo mais uma vez uma situação de Contrato de Trabalho e tendo de respeitar os requisitos acima enunciados.

Por último, esclarecemos que os anúncios de emprego não podem discriminar os candidatos, seja pela idade, sexo, raça ou outros, podendo apenas diferenciar em relação à qualificação e conhecimentos necessários ou desejados ao desempenho da função anunciada.

O Carga de Trabalhos recusará, sem necessidade de qualquer outro esclarecimento, todos os anúncios que não respeitem um ou mais dos pontos atrás referidos, recusando qualquer responsabilidade factual ou moral em relação a eventuais incumprimentos por parte das entidades empregadoras.

Com os melhores cumprimentos,
Carga de Trabalhos

"

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Olha que te ponho pimenta na língua, Zé

Quem me conhece sabe que sou queirosiana na mão direita e saramaguiana na mão esquerda. Depois do Eça, José Saramago foi a melhor coisa que aconteceu à literatura portuguesa, perdão, à literatura do último século. Isto não significa que goste muito do senhor Zé (que, a bem dizer, não conheço de parte nenhuma) ou que tudo o que ele diga seja lei. Na verdade, muitas vezes não concordo com o que lhe sai da boca. Mas daí a achar que ele não deve dizer o que pensa vai um grande passo...

Vasco Pulido Valente escreveu isto, como de costume com a sua caneta de ponta bífida.

Bom...

"Não assiste a Saramago a mais remota autoridade para dar a sua opinião sobre a Bíblia"

O Saramago tem tanta autoridade para opinar sobre a Bíblia como o Vasco Pulido Valente sobre o Saramago, o tratamento que lhe deu a comunicação social, as escolhas do júri do prémio Nobel e dos milhares de leitores 'saramaguianos'. Esse é um argumento vazio para mim.


"Claro que Saramago tem 80 e tal anos, coisa que não costuma acompanhar uma cabeça clara"

Este tipo de observações sim é uma autêntica saloiada. E o Vasquinho que se cuide... já está ali a roçar os 70, é bom aproveitar a lucidez que lhe resta, a qual, segundo o seu próprio raciocínio, já se vai esvaindo.


Numa coisa concordo com ele, embora não pelas mesmas razões: não se desculpa que o país, supostamente laico e livre há muitos anos, se escandalize tanto com as opiniões do Saramago. No entanto, o que eu entendo é que o escândalo não vem exactamente da sua opinião (que já ninguém deve saber repetir), mas sim do facto de ele se atrever a criticar a Bíblia, com todo o excesso a que tem direito. Podemos ser maioritariamente cristãos (eu incluo-me no saco), mas isso não nos dá o direito de acharmos que a Bíblia é sagrada para todos. Na verdade, para alguns é só um livro. Quando alguém critica o Corão ou o Cadomblé ou a IURD ou mesmo o Professor Bambo, intocáveis para tantos, não é esta escandaleira toda... Isso é, para mim, o mais perigoso e um sinal de que ainda há muita estrada para andar. Se sentirem estranhos calafrios pela espinha acima, suspeitem: o fantasma de Natais passados paira por aí.

domingo, 25 de outubro de 2009

Voltámos


Podia escrever um post intitulado "As melhores férias da minha vida" ou "Viagem espiritual" ou "O Ovo dentro de um Coco-Taxi" ou "Como Cuba fez de nós pessoas diferentes" ou "Encontrar almas gémeas do outro lado do Atlântico" ou "Carícia com o resultado de uma chapada na cara", mas não vou fazer nada disso.

Se um dia conseguir transmitir por palavras o que aconteceu, morro considerando-me escritora.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Outubro de 2010?

No ano passado, por esta altura, não trovejou assim.

Nos primeiros dias de Outubro do ano passado, tentámos fazer uma coisa. E quase poderia jurar (memória, não me falhes agora, que o que aí vem é importante demais para ser mentira) que houve beijos a sério e abraços a sério e saudades a sério. Brilho no olhar e admiração mútua. Vontade de construir, de andar para a frente. Intenções declaradas, borboletas na barriga. Quase-paixão, por uns dias? Não resultou.

Este ano, nos primeiros dias de Outubro, tentámos fazer uma coisa. Surgiu do nada. Nem palavras bonitas nem borboletas nem olhos brilhantes (mas ainda muita admiração da minha parte, carinho da tua. Saudades?). Emendo: tu tentaste. E ainda não sei se me arrependo de não ter tentado. Não resultou.

No ano passado, por esta altura, não trovejou assim. Trovejou muito mais. Também choveu mais e fez mais sol e sentiu-se mais vento. Num momento ou dois, houve tanto frio que até nevou.

Esta tempestade é menor. Um ou outro trovão, tão espaçados, que não abafavam o silêncio que vem da tua casa. Uma chuvinha pouca. Mal se sente na janela.

Mas, que coisa!, não me deixam cair em sono profundo.

Como serão os primeiros dias de Outubro de 2010?

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Lições do dia

1. Não exijas de ti mesma a perfeição. Senão apenas a frustração te espera.

2. Não queiras controlar tudo à tua volta. Controla o teu controlo para que não se torne obsessivo.

3. Quando pensares nas coisas que não tens, põe no outro prato da balança as coisas que tens. Verás que afinal o prato negativo não toca no chão e a tua vida não é assim tão má.

4. As pessoas não pensam todas como tu; não as podes medir por ti. Muitas vezes não correspondem às tuas expectativas. Porque tu agirias de certa maneira, não quer dizer que todos façam igual; porque tu serias incapaz de uma crueldade, não significa que outros não sejam.

5. És bonita. Por fora, por dentro e na cabeça. Despertas e vais despertar interesse em toda a espécie de predadores.

6. As pessoas não são todas boas.

7. Não te entregues com a alma toda: vai devagar, analisa, critica, não ignores os sinais. Abre bem os olhos.

8. Zanga-te.

9. Anda sempre com um preservativo na carteira.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009



Esta já passou por aqui, mas hoje tinha de voltar. Não só porque logo à noite há concerto das meninas na Aula Magna, mas porque o tempo frio parece estar a chegar. E nós sabemos como pode ser complicado viver dias cinzentos. Respiremos fundo e avancemos: havemos de atravessar este Inverno sãs e salvas, mais uma vez.

We both know it's going to be another long winter...

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Esplendor



Caía uma chuva fina
Em forma de confissão
E eu, solidão
Sou como a folha de outono
Que sem dono
Navegando chega aqui

Pra lhe dizer que o abandono
Já vai chegando ao fim
E eu, solidão
Só falta agora o teu sorriso
Um aviso
Que a luz do sol está por vir

E se você me vir vagando
Sem razão
Não vá pensar que o desengano
Mora no meu coração
Há muito tempo já se foi
A estação que vem depois
Descortina todo o esplendor

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Queria sofrer de amor. Pôr musicas tristes a tocar e chorar, chorar...

Para quê cansar a caneta quando alguém já o fez? E tão bem.
Fiquem com Miguel Esteves Cardoso e o seu "Elogio do amor".


“Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática.
Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra.
O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".
Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e
da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.
O amor é uma coisa, a vida é outra.
A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.
A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.”

MEC

terça-feira, 22 de setembro de 2009

in



- Não compreendo a vingança - disse ele -, nunca a senti. E não escrevo sobre ela.

- E Emma Zunz?
- Sim, mas é o único caso. Mas a história foi-me dada e eu nem acho que seja muito boa.

- Então, não aprova a vingança por algo que tenha sido feito contra si?
- A vingança não altera o que foi feito. Nem o perdão. Vingança e perdão são irrelevantes.
- Que se pode fazer, então?
- Esquecer - disse Borges -, isso é tudo quanto se pode fazer. Quando me fazem mal, finjo que aconteceu há muito tempo e a outra pessoa qualquer.
- E funciona?
- Mais ou menos - mostrou os seus dentes amarelos -, mais para menos do que para mais.



Eu sabia que havia uma razão para ignorar o sentimento de expectativa defraudada e não desistir deste livro. O remate da viagem está a ser todo muito bom (guardou o melhor para o fim, não foi, senhor Theroux?), mas só esta passagem já valeria a pena a persistência.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Luz ao fundo de mim

Foto de Warren du Preez & Nick Thornton-Jones


Quando alguém te diz "escreves bem, de certeza" sem nunca ter lido nada teu, sabes que tens qualquer coisa em ti.

Pode não ser único, extraordinário, impressionante, mas assegura-te de que não és uma pessoa baça, lisa, vazia. Sabes que, num dia bom, debaixo da luz certa, brilhas.

Brilhas.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Who the fuck is David Motta?

Ele chegou vestido de preto (um olhar mais atento apercebe-se de que a roupa é invulgar) e chinelos. Disse: "já venho maquilhado. Só preciso é de calçar os sapatos e de me arranjar". Sorriso aberto, um tom de voz educado - cumprimentou quem com ele se cruzou e não olhou ninguém de alto a baixo. Sentou-se no sofá da sala de produção, disse "o meu cabelo deve estar terrível", calçou uns sapatos de mulher, pretos e de vertiginoso salto agulha. Concentrado em si, calçou as burlescas luvas pretas rendadas e colocou, um por um, escolhidos, e bem a propósito, a dedo, vários anéis. Bastava olhar de relance - o brilho mostrava que não eram bijuteria plástica.

Chegaram os outros, estes já todos compostos. Filipe, rapaz moreno e alto, bonito, apesar do ar ainda adolescente (ou talvez por isso mesmo) vinha de calças amarelas e a mesma simpatia e educação. Coco, portuguesa e irlandesa, de vestido preto, curto a deixar ver as pernas de quem foi modelo, enfeitado a disfarçar a barriga de quem já não é. Ela sim, adolescente, com brilho nos olhos, sorrisos despropositados, o cabelo muito longo e muito loiro, sempre despenteado. Havia mais: a menina morena de cabelo inclinado para um dos lados, com duas cruzes de tape preta sobre os mamilos, muitos colares de pérolas e um casaquinho preto que tirou só quando estava fora do ar ("se a minha mãe me visse assim"); um rapaz muito magro e alto, de fato prateado, tão parecido àquele das paredes ("mas o Marco Horácio compra os dele em Londres; nós compramos nos chineses") e uma máscara que, descobre-se mais tarde, esconde uma cara bonita; perucas, óculos grandes e extravagantes, um leque de penas que estive quase a levar para casa, saltos altos em pés de homem.

Entraram no estúdio, sentaram-se no sofá branco e falaram. Do grupo que criaram e a quem chamaram MAD Subculture. Das festas loucas que organizam. Das festas mil vezes mais loucas a que vão em Londres, Nova Iorque, etc. Do merchandising que criaram para o grupo. Fala o David de um estilista português que ninguém conhece. Fala o Filipe do prémio que ganhou, do mestrado que quer tirar. Fala a Coco, misturando inglês e português, do castigo que os pais lhe impuseram - ficar com eles na Madeira - e apela a que a deixem voltar para Lisboa. Desvendam que querem animar Lisboa, incentivar as pessoas a vestir roupas loucas, criar uma subcultura inspirada no exagero, na extravagância.

Em volta, percorrendo o estúdio, ouve-se: "olha-me aquele paneleiro; olha-me a gaja que não tem cuecas de certeza; olha-me aquele atrasado mental de saltos altos". Como ouve David Motta de cada vez que sai à rua vestido de forma extravagante - normalmente com coisas como usam as estrelas que tanto admiramos "lá fora". E eu (e, felizmente, não só eu), a espumar de raiva com tanta mente fechada, com tanto pensamento parado no século XIV, com tanta pedra em vez de cérebro.



Os miúdos organizam festas, criam blogues, criam roupa - fútil, dizem. Pergunto: e vocês, aí sentados, vocês gritam 'paneleiro' a qualquer cor mais viva, criam o quê? Raízes no sofá? Quantos miúdos daquela idade, agarrados ao Hi5 e à playstation, fazem coisas saídas das suas cabeças, sejam elas o que forem?

Pensamos no Andy Warhol na sua Factory e quantas vezes ele ouviu "olha-me este panisgas a pintar e filmar merdas que não interessam a ninguém! vai mas é trabalhar!". Mas a verdade é que são estas pessoas que ficam na memória - as pessoas diferentes. Ainda vivemos num mundinho cinzento ou, para ser mais exacta, num país cinzento, em que se quer que toda a gente vista de jeans, que as meninas só se ponham em cima de saltos em ocasiões especiais, que se seja heterossexual, que se tenha um trabalho normal, que toda a gente se case e tenha filhos, que só se saia à noite até uma certa idade - principalmente, que não se dê nas vistas.

Eu chamar-lhe-ia mente fechada.

Perguntaram aos "burrinhos, fúteis, maricas" David, ao Filipe e à Coco: "como é que uma pessoa tem de se vestir para ir a uma festa vossa? por exemplo, a Dona Helena podia entrar?" [para quem não sabe, a Dona Helena é uma senhora da limpeza, já entradota, que anda de bata verde]. Ao que eles responderam: "porque não? o que nós defendemos é que cada pessoa vista o que quer, calce o que quer, seja como quer".

http://www.madsubculture.com/
http://escarradordedavidmotta.blogspot.com/

domingo, 23 de agosto de 2009

Let it die



...and get out of my mind
We don't see eye to eye
Or hear ear to ear

Don't you wish that we could forget that kiss ?
And see this for what it is
That we're not in love

The saddest part of a broken heart
Isn't the ending so much as the start

It was hard to tell just how I felt
To not recognize myself
I started to fade away

And after all it won't take long to fall in love
Now I know what I don't want
I learned that with you

The saddest part of a broken heart
Isn't the ending so much as the start
The tragedy starts from the very first spark
Losing your mind for the sake of your heart
The saddest part of a broken heart
Isn't the ending so much as the start

sábado, 1 de agosto de 2009

25 anos e 4 livros

1. "I am alone in the dark, turning the world around in my head as I struggle through another bout of insomnia"

Foi mais uma noite em que mal dormi. Mas daquela vez não me importei. Estava a começar o dia do meu aniversário e não era o cansaço que me impediria de festejar, com a família, os amigos, os novos e tão simpáticos colegas e comigo mesma, afinal quem faz anos sou eu. Andei zonza o dia todo, mas sorri sempre e disse obrigada a quem me beijava e abraçava. À noite, recebi todos em casa de braços abertos, risos e saltos altos.


2. "Eu, Mwanito, o afinador de silêncios"

Contudo, eu, Marta, não gosto especialmente de silêncios. Festa de anos é barulhenta, com barulho de conversar, de rir, de cantar, de chorar de bebé. É assim desde sempre. Gosto dos Parabéns cantados muito afinados, como só os Lopes sabem fazer, e das palmas e dos gritos, todos afinados numa melodia complexa, inesperada, de notas surpreendentes. Parece uma confusão a quem não está habituado, mas as minhas festas não são confusas: são exactamente no tom ideal.


3. "Era um abutre que me bicava os pés. Tinha já rasgado as botas e as meias e agora bicava os próprios pés."

Tentei ignorar que eram 25 anos e que a minha prima, quando o ano passado completou a mesma idade, ouviu da nossa querida prima Sara (que já leva mais um Lopes na barriga!!): "25! Foi com essa idade que casei!" A Sara prometeu que não me diria o mesmo e cumpriu. Mas, caramba, que é difícil não pensar que é um quarto de século e que não tenho nada que possa chamar meu (além da minha pequena biblioteca e da minha pequena discoteca, my precious). Casamento? Continua a ser um sonho longínquo, como há 10 anos atrás. Tentei ignorar e lembrar-me de todos os que, na noite anterior, no estúdio do 5 para a meia noite me disseram: "só 25? Quem me dera..." Mas o sacana do abutre do tempo a morder os pés, a bicar, a bicar.

E pensei inevitavelmente naqueles que não me deram os parabéns. Não sejamos hipócritas: todos fazemos uma lista mental de nomes que vamos riscando ao longo do dia. No fim, se tudo correr bem, ficam apenas dois ou três na folha inventada na cabeça. Mandamo-los para o sotão do cérebro, aquele sítio escuro e sujo onde entramos o mínimo possível. Mas sabemos que, entre más memórias, gente que passou veloz e teias de aranhas, eles estão lá: aquelas pessoas que gostávamos que se tivessem lembrado, mas não se lembraram. Nem no dia seguinte, nem passados dois dias.

No entanto, chegando ao fim, o que conta é só isto (e isto):



Saber que consegui juntar-nos a todos (apêndices incluídos. Só faltou o Berton!). Estes sorrisos que não estavam juntos na mesma fotografia há tantos meses. Estas carruagens (e as outras, as de sangue e amor, a querida e SEMPRE presente família), todas tão diferentes, mas que se ligam num comboio único.

4. "Esse comboio era um pedaço de vida no meio de toda a terra moribunda"



1. Man in the Dark, Paul Auster
2. Contos, Franz Kafka

3. Jesusalém, Mia Couto
4. O Velho Expresso da Patagónia, Paul Theroux


* Todos estes livros vieram parar-me às mãos em forma de presentes. Obrigada.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Turn-offs

Ontem, entre sushi, chegou-se a conclusões.

1. "Perde-se um bocado o interesse num homem quando se sabe que ele já se enrolou com meio mundo. Sentimo-nos só mais uma."

2. "Ele bem pode convidar-me, mas não vai ter sorte nenhuma. Dá muitos erros ortográficos no messenger."


Tirem notas, senhores.

domingo, 19 de julho de 2009

Wuthering Heights



(Tu. Saberás já que és tu na próxima frase. Um dias destes perguntaste-me se alguma vez iria escrever uma coisa boa sobre ti no blog. A resposta continua a mesma: não sei. É uma resposta frustrante, mas é a verdadeira. E a verdade é sempre melhor. Só sei que não será hoje que vou escrever uma coisa boa sobre ti.)

É uma história de um homem que cometeu um erro e de uma mulher fraca (sensível? romântica?). He had a temper like her jealousy: too hard, too greedy. Os sonhos avisaram-na que ela "was going to lose the fight".

Esta não é a minha história. É só a história que canta a Kate Bush. As insónias que me assaltaram na semana que passou não deixaram que sonhos nenhuns me avisassem de coisa alguma. Além disso, ela diz que corre para ele e eu, pelo contrário, quero (tenho de) correr para longe. Ela pede-lhe para entrar pela janela e eu recuso-me a isso: não me ficarei por menos de uma porta. Ela está "cold", eu tive hoje uma tarde quente de praia e ontem o casamento de uma amiga - os pés na areia e os sorrisos de orelha a orelha nas caras da Maria e do Francisco revitalizaram-me mais do que qualquer noite bem dormida.

Foi hoje, de olhos semi-cerrados à conta do sol, que comecei a ler um novo livro. Descobri recentemente que a Emily Brontë nasceu no mesmo dia e mesmo mês que eu. Como se aproxima rapidamente esse dia, sabia que O Monte dos Vendavais, que conta o amor de Cathy e Heathcliff, era a escolha óbvia para "próxima leitura". O nome original é Wuthering Heights.

Veremos como se desenrola esta história.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Já, Pina Bausch?


Café Müller foi a única coreografia sua que Pina Bausch interpretou.


A dança tem estado doente nestes dias. Pina Bausch tinha 68 anos e morreu hoje de manhã no hospital. A dança dela era "a interpretação da alma".

Mais aqui.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

O rei não morreu




Ficará na música e nos vídeos. Ignore-se o ar inumano, próprio de um lunático. Verdade seja dita, esta dança também não pode ser humana. O meu lado artístico (musical, bailarino, performer) chora. Isto que se vê neste vídeo, este som, estes movimentos, são arte.

Estava com as minhas amigas bailarinas quando soube. Curioso como a vida às vezes parece pensada ao pormenor.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Livre



Lembrava-me sempre de ti quando ouvia esta música. Tu, todo vestido de preto, eu, sempre de branco, mas entendíamos-nos, ou não nos entendíamos mas gostávamos disso, das perguntas e respostas, o desafio de tentarmos perceber-nos. E eu queria ser tua namorada, mas tu não querias ser meu namorado. Convidavas-me para tudo, tomávamos café, bebíamos cerveja, apresentaste-me a tua casa (mesmo perto da minha, que boa descoberta), o teu cão (um cão-de-água preto, lindo), conhecia a voz da tua mãe ao telefone e ela sabia o meu nome. E nunca quiseste ser meu namorado. Já querias proteger-me naquela altura? Fui eu que quis conhecer-te, lembras-te? Naquela escola de barracões de madeira e ambiente leve, leve, todos nós amigos. Gostava do teu ar soturno, do teu andar calmo, de como enrolavas os cigarros, do sorriso irónico que consegui arrancar algumas vezes à tua cara triste.
Eu gostava mais deste álbum, porque era mais melodioso. Tu preferias outro, não me lembro bem qual, o Eternity ou o Silent Enigma, mais pesado. Não sei. Os Anathema (única banda metal de que alguma vez gostei) uniam-nos. Uma vez deste-me uma fotografia (ainda lá está, numa caixa de metal)e escreveste por trás : "para quê viver, se amanhã morrerei?" Eu fiquei zangada, queria era uma dedicatória (para a Marta, gosto de ti, assim qualquer coisa). Mas tu escreveste aquilo, negro como o teu cabelo comprido.
Depois as nossas vidas seguiram rumos diferentes. Eu soube de ti algumas vezes, mota, namorada louca, hospital, psiquiatra. Já não estavas na minha vida, fazias parte apenas da minha memória. Um dia, foi a minha mãe que me ligou,

- Marta, lembras-te daquele rapaz, o D.?

E eu soube logo o que ela me ia dizer. Só precisava de saber como.

- Foi na ponte. Atirou-se.

Assim mesmo: atirou-se. A minha surpresa foi nenhuma. As memórias assomaram todas de repente, a roupa preta, tu no meu sofá, eu a fazer festas ao teu cão, as imperiais, os cafés, os cigarros que fumavas, o fumo teu que eu fumava, os meus 16 anos vestida de branco (sempre de branco e rosa), o pentagrama que queimaste na perna (disseste-me, nunca o vi), os Anathema, aquela música, "i want you to be free of all the pain", e tu agora finalmente livre da dor. Chorei.
Não pude ir ao funeral que te fizeram, depois de finalmente te encontrarem (pensei nos teus pais, na tua irmã, no teu cão). Ainda bem. Tu naquela altura existias ainda vivo na minha memória. Como hoje, na minha memória. Lembro-me de ti vivo sempre, sempre!, que oiço aquela música. E noutras alturas aleatórias, como hoje de manhã.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

É música. É amor perfeito.


Uma mulher nua, estão a ver? Alguns devem mesmo estar a ver, literalmente, (seja real ou toda de plástico, encontrada nesses meandros da internet), outros não têm bem a certeza do que isso é e outros não se lembram. Os homens, claro. As mulheres vêem todos os dias e às vezes não queriam nada.
Mas voltando ao que importa - uma mulher nua. Curvilínea, cintura fina e anca larga, mulher à séria, como as de antigamente. Abandonada, encosta a cabeça no ombro do homem que a segura, a respiração dela no pescoço dele, numa postura de confiança total. O encaixe é delicado mas firme, os dois corpos só podiam pertencer ali, um ao outro. O homem olha-a apenas muito raramente, porque não precisa de mais. Conhece-lhe o jeitinho mimado, sabe que mão posta um milímetro para lá do sítio exacto fá-la reagir agressivamente, desafinada de tão ferida. Mas ele não teme. As pontas dos dedos percorrem um caminho perfeito, sabido de cor, que, no entanto, parece repleto de surpresas, de mudanças súbitas, de novas escolhas.
Ela reage a cada toque, mesmo ao mais subtil. Geme de voz fina e suplicante, respira forte de voz quente e baixa. Ele varia com ela - ora sorri levemente com cara de Primavera, ora franze as sobrancelhas numa expressão dorida; ora a trata com movimentos bruscos de quem quer mostrar controlo, ora a embala numa sintonizada dança a dois que parecem um.
É um homem e o seu violoncelo. E a música que dali sai, tão íntima, quase dá vergonha de ouvir por nos sentirmos intrusos num amor perfeito.


Recebi mais uma carta da Holanda. Desta vez vinham três cds com tesouros lá dentro e um postal. Neste, a bela cidade de Utrecht e a letra verdadeira do lindíssimo Violoncelista Holandês. Em cima "Olá, Marta!" (assim mesmo, em português); no fim "Beijos" (assim mesmo, em português). Discretamente antes da assinatura,

"love life".

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Coisa engraçada

Às vezes uma pessoa dá por si a receber conselhos inteligentes de um sítio totalmente inesperado.




Este blog qualquer dia muda de nome para "O Videoclip dentro do Armário". Embora isto não seja bem um videoclip. Mas enfim, fica uma música catita e imagens de um jovem que é uma riqueza do nosso Portugal para encher o olho às meninas. Mnham Mnham.

PS: Também aparecem umas imagens de gente estranha. Ignorem. Não sei quem fez isto.

domingo, 14 de junho de 2009

No outro dia, o destino chegou-se ao meu ouvido e disse:

"Toma lá um chapadão de todo o tamanho nessa cara bonitinha. Pensaste que era fácil? Que era só sorrir e acreditar em coisas boas e elas aconteciam? Isso querias tu. A vida não é essa facilidade toda. Então a felicidade... custa. Sua lá mais um bocadinho que não te faz mal. Mete o pé no buraco, mais um também não te faz diferença. Tropeça e cai, que uns arranhões até dão cor à tua pele anémica. Agarra-te ao estômago. Já nem sabes o que te fez mal, não é? A bebida, a comida, o soco. Mas que está aí um nó, está. Deixa lá, isso passa. Como passa sempre. Deixa lá e continua a acreditar que qualquer coisa muito boa te vai acontecer brevemente. Pode ser que aconteça mesmo. Agora limpa mas é essa cara, está cheia de terra. Vê se para a próxima olhas para o chão e não cais dessa maneira."

Chega o Chico e diz assim: "não se afobe não..."

domingo, 7 de junho de 2009

Prima, esta vai para ti

"Ni kan tiyen, sewa tiyen. Ni sewa tiyen, kantiyen."
(Provérbio Malinke)

Sem música não há alegria. Sem alegria, não há música.


sábado, 6 de junho de 2009

A tua dor é a minha

Há dias que se passam de lágrimas sempre a querer sair dos olhos, à força, como se o espaço lá dentro fosse demasiado pequeno para aquela água toda. Dias que parecem aqueles sonhos em que gritamos, mas ninguém nos ouve, em que corremos, mas não chegamos a lado nenhum, em que caímos, caímos, caímos sem aterrar. Dias sós. Só de estar numa estrada longa, de um horizonte ao outro, sem ver ninguém, sem distinguir o mínimo movimento, em que o único som é apenas o eco da nossa própria respiração angustiada. Num dia assim, como o de hoje, em que dormir parece ser a única actividade plausível, pensei que este sentimento de sufoco fosse por culpa daquela mensagem sem resposta ou daquele telefonema no vazio ou do desconforto do lar. Mas agora sinto que foi a tua dor que me chegou. Como os irmãos que se sentem à distância. Foi de certeza a tua dor que veio de longe e me chegou assim em forma de nó na garganta, para me avisar que o caminho soalheiro da vida se tinha perdido de si mesmo e embrenhado na floresta escura.

Perdoa-me a futilidade. Se eu soubesse, se eu tivesse percebido que a angústia era tua e não minha, tinha escrito antes assim: beijo com gosto de amor para a minha irmã de alma.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Aquela música

Devia estar num first date, mas não estava. Entregue à televisão, passo na VH1, que transmitia o programa Smells like the 90's. Obviamente, parei. Já contava ouvir músicas da minha infância/adolescência, mas não estava à espera daquela. Aquela que era a nossa favorita - minha e da minha grande amiga Lara. As vezes que ouvimos aquela canção... não as recordo todas, mas lembro-me bem de a escrevermos a caneta verde com cheiro de menta num bloco de papel reciclado (ou pelo menos de folhas de tom acastanhado). Foi antes disto tudo, da vida complicada, no tempo do grunge, dos cabelos compridos e despenteados, do rock n roll vindo da alma, no tempo em que a música era o mais importante, o nosso guia, o nosso espelho, a nossa vida feita acordes de guitarra e poemas em vozes arranhadas. Aqui fica para a Lara, companheira siamesa de crescimento, que, apesar de nem saber que hoje eu teria um date, está instalada com lugar cativo no meu coração para sempre. Era AQUELA música, lembras-te?

terça-feira, 2 de junho de 2009

segunda-feira, 1 de junho de 2009

terça-feira, 26 de maio de 2009

"What an excellent day for an exorcism!"

Ao Penim, que conheceu dois exorcistas na semana passada.

Lembram-se de um dos últimos posts da Clara, o “Cumplicidade”? Pois bem, vamos continuar a recordar o maravilhoso tempo em que as Elas e os Elos se tornaram amigos inseparáveis e prometeram ficar juntos para sempre, na alegria e na tristeza. Desta vez (e porque prometi ao Penim), vou contar-vos uma linda estória que junta um jantar com muito vinho na Feira Popular, uma Casa Assombrada e a miúda do Exorcista.

Foi um dos primeiros jantares de turma no primeiro ano da faculdade e não sei como é que os nossos fígados tão tenrinhos conseguiram absorver tantos litros de álcool. Todos nos fartamos de rir quando vemos a fotografia do Zebas em cima da cadeira com uma febra espetada no garfo e a outra em que ele e o Marcos Melo sorriem com cara de parvos e os dentes “podres”.
Saímos do restaurante, de certeza a dizer parvoíces e a rir muito alto, e à nossa frente apareceu, envolta em luz, a “Casa Assombrada”. Agora imaginem que são um grupo de miúdos de 18 anos, bêbedos, e têm a Casa Assombrada ali à mão de semear. O que é que fariam? Pois claro, iam a correr comprar os bilhetes. Ainda não tínhamos dado dois passos e já ninguém parava de gritar. Não me lembro bem do que havia lá dentro, mas sei que, depois de passarmos um corredor escuro, entrámos num quarto onde havia uma cama toda almofadada com a miúda do Exorcista deitada. Eu podia jurar que a cama levitava como no filme, ela tinha a cara verde e completamente destruída, os olhos florescentes, possuídos pelo demo, uma camisa de noite branca e era muito muito má. Mal entrámos já só queríamos sair e se possível passando bem longe da criatura. Atravessámos o quarto a correr, a miúda a gritar connosco, nós a gritar para os da frente correrem mais rápido, os outros “monstros” a gritarem lá fora… No meio do pânico a Vera caiu aos pés da cama. A miúda do Exorcista levantou-se, caminhou até ela, a Vera olhava para a miúda e não parava de gritar, a miúda chegou ao pé dela e… não, não lhe vomitou uma massa verde para cima, não fez o truque do pescoço e nem sequer a empurrou com violência contra a parede. Perguntou-lhe se estava tudo bem, se precisava de ajuda. Óbvio! Mas a Vera assim que viu a cara dela tão perto gritou ainda mais alto, pôs-se de pé e desatou a correr.
Chegámos ao fim do percurso todos arranhados e com as mãos esfoladas, com o peito ofegante e… completamente sóbrios.

Porque é que eu ainda me lembro desta estória hoje, quando nem sequer consigo reconhecer a pessoas que veio ter comigo na Feira do Livro e me cumprimentou calorosamente? E que, vim a descobrir depois, trabalhou comigo há menos de um ano? Não sei, acho que tenho uma memória cheia de personalidade.

A propósito, na sexta-feira passada vi o Exorcista. Pela primeira vez.

Assim se faz bom jornalismo em Portugal

(Os acontecimentos aqui relatados são ficcionais. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.)


Rita: martinha, tu nao me arranjas por aí o contacto do jorge silva melo?
Marta: talvez. É pra quê? Pra saber do filho deficiente que ele tem escondido no sotão?
Rita: para confirmar umas suspeita de assédio sexual nos anos 90, que o levaram a passar uns dias numa prisão no sudeste da argentina e onde ficou com a horrivel cicatriz escondida no coxis, mesmo mesmo por cima do reguinho do cu
Marta: ah, se é por causa disso, pode ser
Rita: acho que o jornal de letras nao tem qualquer impedimento moral de me dar o numero para confirmar esta tese
Marta: claro que não, temos de ser uns pros outros
Rita: ok, entao ve la isso, que eu dps digo-lhe k venho da tua parte
Marta: queres o número da mãe dele tb? está internada no miguel bombarda com alzheimer, era porteira, mas está convencida que era agente da cia, não deixa nenhum enfermeiro de leste chegar-se ao pé dela


Rita e Marta (aka Gema e Clara) expressam o seu profundo agradecimento ao chat do gmail, que lhes permite fazer a boa pesquisa de que necessitam para o exercício das suas actividades.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

E se a literatura salvar jornais?

Quero contar-lhe uma história. Dou-lhe dois inícios à escolha.

1. Ontem, um prédio na Avenida da Liberdade incendiou-se às 15 e 45, devido a uma fuga de gás.

2. Dar cinco passos, parar, tocar e deixar as cartas. Parecia um dia igual a tantos outros. José Santos, carteiro há mais de 20 anos na Avenida da Liberdade, deu os cinco passos de uma porta à outra, parou, mas não tocou. Cheiro de fumo.

Se escolheu a segunda hipótese, sente-se e beba um copo. Apresento-lhe o Jornalismo Literário.


Par ou Ímpar do JL nº1008, ler mais aqui.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Cumplicidade

O silêncio durava desde que tínhamos passado a ponte. Era cortado apenas pelo barulho do carro, a música e os meus sussurros cantados acompanhando algumas notas. Aquele percurso, desde a avenida do Cristo Rei, onde jantámos com a Vera, foi embalo para uma outra viagem, por dentro, andando para trás nos anos. A inspiração veio das fotografias que vimos, imagens que trazem com elas tantas histórias.

Aquele primeiro ano de faculdade, tão magras, mas tão mais feias. As peles brancas do Inverno, ainda pintalgadas com réstias de acne adolescente. As roupas lembrando tenebrosamente os anos 90. Aquele Avante em que a Gema decidiu esticar o cabelo. Aquele Carnaval em que eu descobri o blush.

Passámos pelos clássicos, como 'A foto', em que eu, a Vera, um pedacinho da Mafas e outro da Lilas estamos perdidas por entre luz estoirada e gelado de nata (ou seria baunilha?). Ou ainda o vídeo em Leiria, em que fizemos uma "reportagem" sobre 'o morto', um homem deitado no meio da rua em pleno dia de sol (nem uma pestana do 'morto' tremelicou com a nossa gritaria).

Lembram-se das férias no Pedrogão? Lembram-se dos inúmeros jantares na mesa da Gema, onde cabia sempre mais um? E as garrafas. As incontáveis garrafas que se viam em cima das mesas ou nas nossas mãos. Não nos lembrávamos de como bebíamos quando bebíamos! E ainda conseguíamos estudar, fazer trabalhos de que ainda hoje nos orgulhamos, escrever para o 8ª Colina, filmar para o E2, dançar no gabinete do Pedro Azevedo em dias de electricidade estática (ou chorar, com a porta fechada, quando foi preciso), cantar em toda a parte, conversar e rir, rir, rir.

Tantas fotografias tiradas na faculdade, a fazer as coisas mais estranhas. Algumas não poderão nunca ser reveladas, nem sequer aqui descritas. "Como é que as pessoas haviam de gostar de nós?" - foi o comentário que mais vezes fizemos esta noite. A verdade é que conseguíamos ser incómodas, de tão gozonas. Mas nós adorávamo-nos e isso era tudo o que importava. Isso e o carinho de quem nos era querido.

Essas imagens juntaram-se, como frames, e surgiram feitas filme nas nossas cabeças, na viagem entre margens. Só quando estávamos quase a chegar ao primeiro destino, ali na curva das Amoreiras em direcção ao Rato, o silêncio foi quebrado. Com o olhar ainda fixo num ponto qualquer da rua, a Gema, como se suspirasse:

- Estou nostálgica.
- Eu também, respondi. Vivemos anos tão felizes. Quando é que as coisas ficaram tão difíceis?
- Nós antes também achávamos as coisas complicadas.
- Talvez, mas era diferente. Não ter namorado, por exemplo. Não nos preocupava muito. Não tínhamos pessoas à volta a casar, a ter filhos, não pensávamos na idade a avançar...
- Sim, isso é verdade. Mas acho que faríamos as mesmas coisas.

Respondi que não, que a maturidade não nos permitiria fazer certas coisas. Agora que penso melhor nisso, sei que, no essencial, faríamos precisamente o mesmo hoje, se estivéssemos todos juntos em volta de uma mesa. Viu-se no jantar na avenida do Cristo Rei (na casa que a Vera agora já tem com o Rui). Nem sequer acabámos a garrafa de vinho, mas as gargalhadas, o gozo, o brilho no olhar - iguais. Com uma grande diferença. Depois de quase 7 anos (sim, já 7!), maior, muito maior, é a cumplicidade.

Já não saberia viver sem isso.


Para as Elas e os Elos, meus cúmplices.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Portugal Meu Amor

Programa polémico e cheio de coisinhas politicamente incorrectas (esperemos) do nosso amigo virtual, Hugo Gonçalves. A ver hoje, em grande estreia, e daqui para a frente. Na SIC Radical, às 23.10. Repete sábado, às 17.30, e domingo, às 22.40.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Ele nem nos conhece, mas a descrição fica-nos tão bem

"O ovo, qualquer ovo, era para Mylia um material perturbante. O que mais rapidamente muda, o que é composto de maior desassossego, o que existe já para ser outra coisa. Havia em qualquer ovo uma espécie de altruísmo material, concreto, que ela não via em mais nenhuma coisa do mundo. Aparecer porque se quer desaparecer. Aparecer porque se quer fazer aparecer outra coisa."

Jerusalém
Gonçalo M. Tavares