O silêncio durava desde que tínhamos passado a ponte. Era cortado apenas pelo barulho do carro, a música e os meus sussurros cantados acompanhando algumas notas. Aquele percurso, desde a avenida do Cristo Rei, onde jantámos com a Vera, foi embalo para uma outra viagem, por dentro, andando para trás nos anos. A inspiração veio das fotografias que vimos, imagens que trazem com elas tantas histórias.
Aquele primeiro ano de faculdade, tão magras, mas tão mais feias. As peles brancas do Inverno, ainda pintalgadas com réstias de acne adolescente. As roupas lembrando tenebrosamente os anos 90. Aquele Avante em que a Gema decidiu esticar o cabelo. Aquele Carnaval em que eu descobri o blush.
Passámos pelos clássicos, como 'A foto', em que eu, a Vera, um pedacinho da Mafas e outro da Lilas estamos perdidas por entre luz estoirada e gelado de nata (ou seria baunilha?). Ou ainda o vídeo em Leiria, em que fizemos uma "reportagem" sobre 'o morto', um homem deitado no meio da rua em pleno dia de sol (nem uma pestana do 'morto' tremelicou com a nossa gritaria).
Lembram-se das férias no Pedrogão? Lembram-se dos inúmeros jantares na mesa da Gema, onde cabia sempre mais um? E as garrafas. As incontáveis garrafas que se viam em cima das mesas ou nas nossas mãos. Não nos lembrávamos de como bebíamos quando bebíamos! E ainda conseguíamos estudar, fazer trabalhos de que ainda hoje nos orgulhamos, escrever para o 8ª Colina, filmar para o E2, dançar no gabinete do Pedro Azevedo em dias de electricidade estática (ou chorar, com a porta fechada, quando foi preciso), cantar em toda a parte, conversar e rir, rir, rir.
Tantas fotografias tiradas na faculdade, a fazer as coisas mais estranhas. Algumas não poderão nunca ser reveladas, nem sequer aqui descritas. "Como é que as pessoas haviam de gostar de nós?" - foi o comentário que mais vezes fizemos esta noite. A verdade é que conseguíamos ser incómodas, de tão gozonas. Mas nós adorávamo-nos e isso era tudo o que importava. Isso e o carinho de quem nos era querido.
Essas imagens juntaram-se, como frames, e surgiram feitas filme nas nossas cabeças, na viagem entre margens. Só quando estávamos quase a chegar ao primeiro destino, ali na curva das Amoreiras em direcção ao Rato, o silêncio foi quebrado. Com o olhar ainda fixo num ponto qualquer da rua, a Gema, como se suspirasse:
- Estou nostálgica.
- Eu também, respondi. Vivemos anos tão felizes. Quando é que as coisas ficaram tão difíceis?
- Nós antes também achávamos as coisas complicadas.
- Talvez, mas era diferente. Não ter namorado, por exemplo. Não nos preocupava muito. Não tínhamos pessoas à volta a casar, a ter filhos, não pensávamos na idade a avançar...
- Sim, isso é verdade. Mas acho que faríamos as mesmas coisas.
Respondi que não, que a maturidade não nos permitiria fazer certas coisas. Agora que penso melhor nisso, sei que, no essencial, faríamos precisamente o mesmo hoje, se estivéssemos todos juntos em volta de uma mesa. Viu-se no jantar na avenida do Cristo Rei (na casa que a Vera agora já tem com o Rui). Nem sequer acabámos a garrafa de vinho, mas as gargalhadas, o gozo, o brilho no olhar - iguais. Com uma grande diferença. Depois de quase 7 anos (sim, já 7!), maior, muito maior, é a cumplicidade.
Já não saberia viver sem isso.
Para as Elas e os Elos, meus cúmplices.
9 comentários:
E passados 7 anos maior é a cumplicidade... Puseram-me nostálgica também minhas ovas dentro armário.
Saudades, Nostalgia, Felicidade, quando penso que tive o privilégio de ter pessoas como vocês na minha vida. Menos frequentes são os meus encontros com as Elas e Elos, menos frequentes são os momentos em que posso estar ali, com as pessoas que preenchem parte do meu coração, da minha vida, da minha memória.
Mas amo-vos e nunca vos esqueço. São parte integrante da minha vida que, com todos os baixos que teve, conseguiu ter também os altos e VOCÊS são, também, culpadas disso.
Adoro ovos estrelados, mexidos, escalfados...mas os de dentro d armário são os que fazem as melhores omeletes :)
Beijo-vos
Maxaxu
linda surpresa =) que saudades *
E eu agora tenho de aguentar as lagrimas dentro dos olhos mas logo à noite, na casa da avenida do cristo rei, vou ler outra vez estes textos lindos, lembrar-me da noite de ontem, e deixar sair tudo. a nostalgia e a alegria, alegria incontrolável por há muito tempo não ter uma noite assim. MAXAXU beijiiiiinhossssss!!! (um abraço de partir os ossos)
Um pouco de nostalgia nunca fez mal a ninguém! Belos tempos em que a vida era tão livre e despreocupada... Beijos e saudades
Olá!
Eu sou um filho da puta, que tem muito trabalho e me faz perder jantares na avenida do cristo rei. O que me faz pensar: Será que vale a pena tanto esforço?
Só sei que aquela tanga de olhos que não vêem, coração que não sente é uma mentira absoluta. Gosto mais de vocês do que há 7 anos porque:
- São todos mais lindos;
- Têm corpos bem melhores o que me faz queres dar, mais frequentemente, "o apalpanço alheio";
- São pessoas muito interessantes e com profissões igualmente interessantes;
- Porque já não tenho que beber um copo de água com frango e outras coisas para ganhar um gelado;
...
E para acabar quero só dizer que vou ter mto gosto daqui a 7 anos sentar-me a uma mesa e mostrar aos meus putos as nossas fotos, filmes, desenhos, histórias e dizer: "Tás a ver como a tia Vera pesava apenas uma gramas? Se não comeres a papa toda ficas como ela. André, filho, se queres as pernas bonitas e bem definidas como as da tia Marta tens de fazer ballet... ou Leonor se tás com problemas pessoais vai já ter com a tia Maxaxu que é a melhor a resolve-los. André não faz mal teres os dentes tortos, só tens de usar o aparelho... olha como tia Rita ficou com um sorriso lindo depois de o usar...
Ah! E só um aparte... há 7 anos a nossa colega de turma Telma ia para as aulas com mais roupa... coisa que já não acontece na Playboy deste mês.
ah ah ah! tu és tramado. eu andava a evitar espalhar a informação pelo facebook... olha, a verdade é que ela deve ter feito bom dinheirinho e nós continuamos uns pés-rapados. menos tu, que és rico. *
Ohh que boa surpresa amigos!!! Foi mesmo muito bom rever o nosso passado ontem à noite e parar para pensar que somos uns sortudos do pior que há. É inacreditável a quantidade de vinho que bebíamos naquela altura, é inacreditável como o tempo é o melhor cirurgião plástico e assistente de beleza de cada um de nós, é inacreditável como conseguimos ficar amigos de tanta gente naquela escola mesmo sendo terrivelmente insuportáveis, é maravilhoso saber que, quando estamos todos juntos, as coisas continuam iguais. Obrigada pelo texto, Martinha *
Sinto-me um intruso ao deixar um comentário, mas é curto e to the point: invejo o espírito e a letra deste teu texto. Over and out. Snake.
Eu também não estive no jantar e, na verdade, não vos conheço há 7 anos. Tenho avistado o Cristo mais de cima que da ponte, mas não me esqueço de acenar sempre à avenida - vê lá se dás um adeus, da próxima vez, ó Vera! - e não me esqueço nunca de nós.
E assim. vá onde for, nós vamos comigo, com a esperança de ir sempre num lugar bem quentinho e doce da memória e corações de todos vocês.*
Enviar um comentário