sexta-feira, 9 de julho de 2010

Lolita


Há uns dias vi Lolita. Descia as escadas do metro, passos lânguidos e aparentemente seguros. Segurava o cabelo com as mãos, não de forma prática e rápida como quem tenta refrescar a nuca, mas num gesto lento como quem diz 'tenho a nuca quente'. O olhar vinha de baixo, como as modelos quase despidas das capas das revistas. A atitude sensual era ajudada pela beleza de cabelo loiro e olhos azuis. Atrás dela, vinham os pais e um provável irmão mais velho. Lolita caminhava dois ou três passos à frente e sabia-o.

Não sei quando foi que as meninas decidiram querer ser mulheres rapidamente. Também eu vasculhei as roupas da minha mãe e desfilei vestidos de noite feitos de camisas frente ao espelho (e já sabia que só podia usar aquele grupo de roupas específico), mas o meu comportamento de imitação das mulheres ficava por aí. Hoje, há meninas de 13 anos nos Estados Unidos que fazem sexo oral aos colegas de turma no banco de trás do autocarro da escola. Hoje, há meninas de 15 anos que já se deitaram com metade dos rapazes da escola. Hoje, há meninas de 16 anos que dizem às amigas de 16 anos: "não é normal ainda seres virgem" (e este aqui em Portugal, caso verídico). E é aqui que eu torço realmente o nariz.

Vade retro, puritanismo. Não é de valores morais que trata este texto. O que me assusta nem é tanto ser normal ter sexo a partir dos 13 (sempre aconteceu); o que me assusta é "não ser normal" chegar-se aos 16 sem o ter tido. É aqui que as meninas revelam as crianças que realmente são e não as mulheres que querem parecer. Porque é de criança achar-se que há uma idade "normal", porque é de criança pensar que depois "daquilo" já se é mulher e já se tem toda a sabedoria. E não é suposto crianças andarem a ter sexo, principalmente de forma indiscriminada. Não é suposto crianças terem olhares lânguidos e bocas entreabertas. Nem é previsto meninas fingirem que não é amor que querem e pavonearem-se entre as amigas com atitude cínica e desencantada.

E o prazer da descoberta onde fica? Se quando se começa a sentir uma ligeira vontade de descobrir, aquele suave formigueiro nos pés que nos impele a andar por um caminho desconhecido, já se está lá, já se chegou. Será que não se deixou nada pelo caminho? Será que os pés não foram sozinhos?

Lolita é personagem de romance por ser única, por ser excepção, por ser diferente de todas as outras. Se fossem todas Lolitas, Nabokov provavelmente não teria sobre que escrever ou seria apenas um escritor medíocre que conta histórias sobre uma menina igual às outras.

A Lolita que vi descer as escadas do metro, fazendo dançar subtilmente as ancas, ainda a meio caminho do tamanho final, desconcertou-me. Se pudesse, dizia-lhe: não é assim que tens de ser agora, não queiras crescer tão depressa. Senão, corres o risco de chegar a uma altura em que te perguntas: já fiz tudo. E agora? Vivo para quê?

1 comentário:

Anónimo disse...

A cobra manda muitos cumprimentos e pede que lhe comunique, Clara, a sua (da cobra) plena concordância com o conteúdo deste seu post, e (idem) profunda apreciação da sua (da deste seu post) forma. A supracitada cobra, antes de se despedir com calorosas manifestações de afeição por si, pede-me ainda que exprima entusástica aprovação do novel cenário em que os seus (da Clara, claro) posts doravante surgirão.

O secretário da Cobra

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(ass. ilegível)