quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Porque o melhor escritor da nova geração da literatura portuguesa merece

Hoje vou dar uma de Pipoca e responder a um comentário que surgiu ao meu post anterior, sobre o novo livro do João Tordo, "O Bom Inverno".

O comentário:

"Só posso dizer que se for tão bom como as 3 vidas (sobre os 2 primeiros nada posso dizer) é um desperdício de papel. Em literatura portuguesa contemporânea, não me lembro de coisa mais delirante e descabelada (conseguindo, no entanto, ser exasperantemente monótona), mais privada de qualquer sentido de humor ou de ironia... Nenhum detalhe nos poupa o JT (que devia chamar-se antes joão pardo), o suposto delfim do josé saramago. A elipse não existe para ele, e assim, um conto ou uma novela medíocres incharam até ás 300 páginas. Como vai nu esse rei (mas como a rainha-mãe e o ex dela são quem são, e portugal é o que é, não hão-de faltar os arautos a proclamá-lo - outra vez - um génio...). Não perca tempo com o JT, que a vida é curta, mesmo para jovens como você e a sua colega, e o que não falta são grandes livros..."

Caro Anónimo:
Como diria Jack, o Estripador: vamos por partes.
Primeiro, estou a contar que "O Bom Inverno" seja tão bom ou melhor do que "As Três Vidas". Mau acho muito difícil que seja, já que, pelo que tem mostrado, o João Tordo não tem a capacidade de escrever maus livros. Tenho a certeza de que não será um desperdício de papel - pode apaziguar as suas preocupações ambientais.
Segundo, isso de o romance não ter sentido de humor ou ironia não me parece sinónimo de coisa má. Que eu saiba, há muito boa literatura que é desprovida dessas duas características (que o João Tordo, aliás, pessoalmente, tem a rodos). Tanto o humor como a ironia são coisas muito portuguesas e não se encontram frequentemente na literatura anglo-saxónica, inspiração assumida do João. Os escritores não têm de ser todos Eças ou Saramagos para serem bons. O que nos leva ao próximo ponto.
Não sei bem o que significa ser o "delfim do Saramago", mas penso que se refira ao prémio que o João Tordo ganhou este ano (muito justamente, a meu ver). O nome do prémio não significa que o vencedor do mesmo seja um protegido do José Saramago. Este, aliás, até onde me lembro, nem faz parte do júri. O próprio João Tordo afirma que o Saramago não deve gostar especialmente dos seus livros, inspirados na tradição inglesa e americana no que toca à maneira de contar histórias (ou seja, o mais importante é a história e é esta que prevalece, mais que as figuras de estilo, o simbolismo ou a estética da escrita - e isto não é pior ou melhor, é diferente).
Quanto à forma como uso o meu tempo, agradeço a sua preocupação. No entanto, conto-lhe um segredo (e que é o mais importante desta história toda): a literatura não é ciência, é arte. E a arte, podendo ser objecto de avaliação e crítica, assenta no impacto que causa em quem a aprecia. Essa é, do meu ponto de vista, a avaliação fundamental e última: ou emociona ou não. Posso até achar que certos autores escrevem muito bem, mas os seus livros não me dizerem nada e não conseguir passar da primeira página. Quanto ao João Tordo, calha que ele escreve muitíssimo bem e os seus livros agarram-me, da primeira à última palavra.
Não me esqueci da sua referência tão portuguesa em relação aos progenitores do João Tordo, o chamado factor C. Compreendo-a perfeitamente: a mãe e o pai do João têm de facto uma influência extraordinária no mundo editorial, principalmente junto a uma editora maleável e fraquinha de espírito como a Maria do Rosário Pedreira. Dos seus pais não posso falar, já que nem me deu uma pista do seu apelido. A ironia chegou-lhe ou precisa de mais um bocadinho?

6 comentários:

ana cláudia disse...

you go girl ;)

Anónimo disse...

Diz-me que o humor e a ironia são mais próprios da literatura portuguesa que da anglo-saxónica – a tal inspiração assumida de JT... Bom, entre os autores que ele próprio assume como tendo-o marcado estão Edgar allan Poe e Melville: não sei se leu qualquer deles, Clara (julgo que não serão muito lidos actualmente, mas pronto), mas nem é preciso fazê-lo para ficar a saber que nos dois encontrará humor (e ironia, e sátira, e sarcasmo, e pastiches...), e, no caso de Poe, mesmo em obras consideradas aterradoras, ou obcecadas com a morte. Qualquer espreitadela à internet basta para comprová-lo.
Quanto a melville, bom , basta o início do Moby dick (e a noite que o protagonista passa na pensão, partilhando a cama – salvo seja! – com o Queequeg. Mas todo por todo o livro encontra o rocambolesco, o grotesco e o arabesco – como diria Poe. E isso em nada diminui o livro...). Depois, Clara, dizer, como o faz, que o humor é pouco próprio da literatura anglo-saxónica... Martin Amis, james Joyce e Beckett, Philip Roth (veja-se o Portnoy’s Complaint – de que nem gostei muito), Nabokov (bem sei, era russo), Eveln Waugh, J.D. Salinger, Flannery O’Connor, Henry Miller, djuna Barnes, Truman Capote, John Updike, Tom Wolfe, Dorothy Parker, Dickens, Jane Austen, Jonathan Swift, Shakespeare... até o trombudo do Paul Auster... Não quero ser cansativo (daí não mencionar escritores abertamente humorísticos, como o Amis-pai, o Joseph Heller, o P.G. Wodehouse, o Chesterton...), por isso paro aqui.
Diz-me o JT tem humor a rodos. Não o conheço, mas acredito que seja verdade. Pena é que nenhum desse humor tenha chegado a as 3 vidas. Diz-me também que JT escrve muitíssimo bem. Se é de respeito pela gramática que fala, concordo consigo. Tanto é o respeito de JT pela gramática que a prosa dele range, chia, estala. A gramática entreva-lhe a escrita – não é correcção, é reumatismo. E depois há os anacronismos: há trinta anos, em Portugal, que rapazola pobre olharia para uma menina na corda bamba e se lembraria de a comparar com uma surfista? E mencionaria “adrenalina” como sinónimo de excitação? E saberia do que se falava quando se falava de World Trade Center? Tendo o dobro da sua idade, Clara, sei bem do que falo. Os absurdos e inatenções também abundam: há guarda-costas iranianos que falam árabe, há o sr. Pascal cujo cabelo, cortado rente, está em desalinho umas páginas depois, há o jardineiro-motorista-segurança que fala como um professor de direito (com um palavrão ocasional para recordar ao leitor que é um campónio), há a mãe muito doente que é levada em caminhadas nocturnas por Campolide em Novembro... Enfim.
Espero que não leve a mal o tom desta minha réplica, e que não me ache condescendente. A Clara gosta do JT e dos seus livros. Provavelmente, tem razão quanto à qualidade da escrita de JT: eu sou um simples amador em matérias literárias (e um invejoso), e pouco versado em autores contemprâneos. Mas gosto muito do que a Clara aqui escreve (tanto que foi por via do seu blogue que li o livro do desacordo...), e espero que um dia se abalance a qualquer coisa de maior fôlego. Entretanto, cá continuarei assiduamente (e anonimamente).

Anónimo disse...

Diz-me que o humor e a ironia são mais próprios da literatura portuguesa que da anglo-saxónica – a tal inspiração assumida de JT... Bom, entre os autores que ele próprio assume como tendo-o marcado estão Edgar allan Poe e Melville: não sei se leu qualquer deles, Clara (julgo que não serão muito lidos actualmente, mas pronto), mas nem é preciso fazê-lo para ficar a saber que nos dois encontrará humor (e ironia, e sátira, e sarcasmo, e pastiches...), e, no caso de Poe, mesmo em obras consideradas aterradoras, ou obcecadas com a morte. Qualquer espreitadela à internet basta para comprová-lo.
Quanto a melville, bom , basta o início do Moby dick (e a noite que o protagonista passa na pensão, partilhando a cama – salvo seja! – com o Queequeg. Mas todo por todo o livro encontra o rocambolesco, o grotesco e o arabesco – como diria Poe. E isso em nada diminui o livro...). Depois, Clara, dizer, como o faz, que o humor é pouco próprio da literatura anglo-saxónica... Martin Amis, james Joyce e Beckett, Philip Roth (veja-se o Portnoy’s Complaint – de que nem gostei muito), Nabokov (bem sei, era russo), Eveln Waugh, J.D. Salinger, Flannery O’Connor, Henry Miller, djuna Barnes, Truman Capote, John Updike, Tom Wolfe, Dorothy Parker, Dickens, Jane Austen, Jonathan Swift, Shakespeare... até o trombudo do Paul Auster... Não quero ser cansativo (daí não mencionar escritores abertamente humorísticos, como o Amis-pai, o Joseph Heller, o P.G. Wodehouse, o Chesterton...), por isso paro aqui.
Diz-me o JT tem humor a rodos. Não o conheço, mas acredito que seja verdade. Pena é que nenhum desse humor tenha chegado a as 3 vidas. Diz-me também que JT escrve muitíssimo bem. Se é de respeito pela gramática que fala, concordo consigo. Tanto é o respeito de JT pela gramática que a prosa dele range, chia, estala. A gramática entreva-lhe a escrita – não é correcção, é reumatismo. E depois há os anacronismos: há trinta anos, em Portugal, que rapazola pobre olharia para uma menina na corda bamba e se lembraria de a comparar com uma surfista? E mencionaria “adrenalina” como sinónimo de excitação? E saberia do que se falava quando se falava de World Trade Center? Tendo o dobro da sua idade, Clara, sei bem do que falo. Os absurdos e inatenções também abundam: há guarda-costas iranianos que falam árabe, há o sr. Pascal cujo cabelo, cortado rente, está em desalinho umas páginas depois, há o jardineiro-motorista-segurança que fala como um professor de direito (com um palavrão ocasional para recordar ao leitor que é um campónio), há a mãe muito doente que é levada em caminhadas nocturnas por Campolide em Novembro... Enfim.
Espero que não leve a mal o tom desta minha réplica, e que não me ache condescendente. A Clara gosta do JT e dos seus livros. Provavelmente, tem razão quanto à qualidade da escrita de JT: eu sou um simples amador em matérias literárias (e um invejoso), e pouco versado em autores contemprâneos. Mas gosto muito do que a Clara aqui escreve (tanto que foi por via do seu blogue que li o livro do desacordo...), e espero que um dia se abalance a qualquer coisa de maior fôlego. Entretanto, cá continuarei assiduamente (e anonimamente).

Anónimo disse...

Por parte: diz-me que o humor e a ironia são mais próprios da literatura portuguesa que da anglo-saxónica – a tal inspiração assumida de JT... Bom, entre os autores que ele próprio assume como tendo-o marcado estão Edgar allan Poe e Melville: não sei se leu qualquer deles, Clara (julgo que não serão muito lidos actualmente, mas pronto), mas nem é preciso fazê-lo para ficar a saber que nos dois encontrará humor (e ironia, e sátira, e sarcasmo, e pastiches...), e, no caso de Poe, mesmo em obras consideradas aterradoras, ou obcecadas com a morte. Qualquer espreitadela à internet basta para comprová-lo.
Quanto a melville, bom , basta o início do Moby dick (e a noite que o protagonista passa na pensão, partilhando a cama – salvo seja! – com o Queequeg. Mas todo por todo o livro encontra o rocambolesco, o grotesco e o arabesco – como diria Poe. E isso em nada diminui o livro...). Depois, Clara, dizer, como o faz, que o humor é pouco próprio da literatura anglo-saxónica... Martin Amis, james Joyce e Beckett, Philip Roth (veja-se o Portnoy’s Complaint – de que nem gostei muito), Nabokov (bem sei, era russo), Eveln Waugh, J.D. Salinger, Flannery O’Connor, Henry Miller, djuna Barnes, Truman Capote, John Updike, Tom Wolfe, Dorothy Parker, Dickens, Jane Austen, Jonathan Swift, Shakespeare... até o trombudo do Paul Auster... Não quero ser cansativo (daí não mencionar escritores abertamente humorísticos, como o Amis-pai, o Joseph Heller, o P.G. Wodehouse, o Chesterton...), por isso paro aqui.

Anónimo disse...

Diz-me o JT tem humor a rodos. Não o conheço, mas acredito que seja verdade. Pena é que nenhum desse humor tenha chegado a as 3 vidas. Diz-me também que JT escrve muitíssimo bem. Se é de respeito pela gramática que fala, concordo consigo. Tanto é o respeito de JT pela gramática que a prosa dele range, chia, estala. A gramática entreva-lhe a escrita – não é correcção, é reumatismo. E depois há os anacronismos: há trinta anos, em Portugal, que rapazola pobre olharia para uma menina na corda bamba e se lembraria de a comparar com uma surfista? E mencionaria “adrenalina” como sinónimo de excitação? E saberia do que se falava quando se falava de World Trade Center? Tendo o dobro da sua idade, Clara, sei bem do que falo. Os absurdos e inatenções também abundam: há guarda-costas iranianos que falam árabe, há o sr. Pascal cujo cabelo, cortado rente, está em desalinho umas páginas depois, há o jardineiro-motorista-segurança que fala como um professor de direito (com um palavrão ocasional para recordar ao leitor que é um campónio), há a mãe muito doente que é levada em caminhadas nocturnas por Campolide em Novembro... Enfim.
Espero que não leve a mal o tom desta minha réplica, e que não me ache condescendente. A Clara gosta do JT e dos seus livros. Provavelmente, tem razão quanto à qualidade da escrita de JT: eu sou um simples amador em matérias literárias (e um invejoso), e pouco versado em autores contemprâneos. Mas gosto muito do que a Clara aqui escreve (tanto que foi por via do seu blogue que li o livro do desacordo...), e espero que um dia se abalance a qualquer coisa de maior fôlego. Entretanto, cá continuarei assiduamente (e anonimamente).

Gema disse...

Nunca consegui entender muito bem porque é que pessoas que não gostam de determinadas coisas gastam o seu tempo e energia a dissecá-las para depois as destruir. Pontinha de inveja? Eu, quando não gosto, passo à frente.