quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Amazona pó-de-arroz


Tinha um cartão plastificado ao pescoço que dizia: Marta Paes [sim, alguém decidiu que o meu apelido havia de ter ortografia nobre] Lopes - Guionista. Caía muito pouco delicadamente por cima do casaco grosso e do cachecol; estava muito frio nesse dia. Eu fungava, mas juro que andava toda contente. Foi um daqueles programas que jamais veria em casa, mas que me deu muito gozo fazer. Escrever. Foi a primeira vez que apareci como Guionista na ficha técnica, ao lado do P., guionista talentoso e de sucesso da televisão portuguesa, o orgulho da sua amiga. Saltitei por dentro o dia todo, com o também meu guião na mão, a dar indicações aos apresentadores. À noite, o P. chegou. Apresentei-o aos dois amorosos condutores de programa improvisados: "este é o outro guionista". Eu disse "o outro". Mas a verdade é que, a partir daí, qualquer dúvida que tinham, era ao P. que perguntavam. De repente, vi-me a precisar de impôr a minha presença. Comecei a reparar também que as pessoas me pediam água, perguntavam se podiam ter autógrafos, se podiam passar por ali. Vi-me a obrigada a responder a verdade: "não sei, isso não é comigo, tem de pedir ali". Eu não sou assistente de produção. Podia ser (ou se calhar não podia, porque me faltam qualidades necessárias, como ser organizada), mas não sou. E eu, orgulhosa do meu dístico de guionista (que não é um trabalho melhor nem pior, é só aquele que eu quero), percebi que a primeira coisa que se pensa quando se olha para uma miúda não é que ela faz trabalho intelectual.

Tenho vários problemas. Sou mulher. Tenho cara de miúda. Sou uma mulher-miúda que tem a lata de pôr baton, usar saias curtas, ter pose de elegante e ainda ler uns livros e saber pensar pela sua cabeça. As mulheres que têm cargos mais altos no meio televisivo parecem-me todas semelhantes: cara de cigarro, calças de ganga, voz grossa, dizem muitas asneiras. Estereotipando a coisa, comportam-se como homens. Sei que a consciência de muitos homens e mulheres actualmente não vê qualquer problema em que haja nomes femininos nos cargos intelectuais e nos de chefia. Mas o inconsciente... o inconsciente ainda diz que se está ali uma miúda gira, deve ser para distribuir cafés.

Este é o meu primeiro discurso feminista. Quotas para mulheres na Assembleia, votar em mulheres nos reality-shows porque são mulheres são coisas que me revoltam. Ser mulher não é uma característica de personalidade. Quero chegar lá pelo meu mérito. Têm é de me deixar. Sempre fui a favor da igualdade de direitos e deveres entre os dois sexos, mas gosto de mulheres delicadas e homens cavalheiros. Aquele movimento feminista dos anos 30 diz-me pouco: usar vestidos que não mostram as curvas não é a defesa da mulher; é a defesa de que uma mulher pode ser como um homem. Eu não quero ser como um homem. Quero ser como uma mulher, sabendo que posso ser vaidosa e inteligente ao mesmo tempo. Não vou vestir calças de ganga, fumar e dizer asneiras para lá chegar. Agora, todos os dias, olho-me ao espelho e sei que não há gestos inocentes. Pinto os lábios, ponho rímel nos olhos e um livro debaixo do braço. Esse é o meu grito de guerra.

4 comentários:

Nuno Lopes disse...

És linda :) Chegas lá!

Ana das Pontas disse...

E eu adoro o título do post. :)

Pierre disse...

Força e talento pareces ter. Falta que a sorte dê a mão à tua competência e que esta a saiba a agarrar bem forte

Desejo de Sucesso

Carlota disse...

este mundo é difícil para o género feminino, mas acredito que com esforço tudo se consegue. ainda bem que ainda há mulheres capazes de lutar! força!