Chegaram os outros, estes já todos compostos. Filipe, rapaz moreno e alto, bonito, apesar do ar ainda adolescente (ou talvez por isso mesmo) vinha de calças amarelas e a mesma simpatia e educação. Coco, portuguesa e irlandesa, de vestido preto, curto a deixar ver as pernas de quem foi modelo, enfeitado a disfarçar a barriga de quem já não é. Ela sim, adolescente, com brilho nos olhos, sorrisos despropositados, o cabelo muito longo e muito loiro, sempre despenteado. Havia mais: a menina morena de cabelo inclinado para um dos lados, com duas cruzes de tape preta sobre os mamilos, muitos colares de pérolas e um casaquinho preto que tirou só quando estava fora do ar ("se a minha mãe me visse assim"); um rapaz muito magro e alto, de fato prateado, tão parecido àquele das paredes ("mas o Marco Horácio compra os dele em Londres; nós compramos nos chineses") e uma máscara que, descobre-se mais tarde, esconde uma cara bonita; perucas, óculos grandes e extravagantes, um leque de penas que estive quase a levar para casa, saltos altos em pés de homem.
Em volta, percorrendo o estúdio, ouve-se: "olha-me aquele paneleiro; olha-me a gaja que não tem cuecas de certeza; olha-me aquele atrasado mental de saltos altos". Como ouve David Motta de cada vez que sai à rua vestido de forma extravagante - normalmente com coisas como usam as estrelas que tanto admiramos "lá fora". E eu (e, felizmente, não só eu), a espumar de raiva com tanta mente fechada, com tanto pensamento parado no século XIV, com tanta pedra em vez de cérebro.
Pensamos no Andy Warhol na sua Factory e quantas vezes ele ouviu "olha-me este panisgas a pintar e filmar merdas que não interessam a ninguém! vai mas é trabalhar!". Mas a verdade é que são estas pessoas que ficam na memória - as pessoas diferentes. Ainda vivemos num mundinho cinzento ou, para ser mais exacta, num país cinzento, em que se quer que toda a gente vista de jeans, que as meninas só se ponham em cima de saltos em ocasiões especiais, que se seja heterossexual, que se tenha um trabalho normal, que toda a gente se case e tenha filhos, que só se saia à noite até uma certa idade - principalmente, que não se dê nas vistas.
Eu chamar-lhe-ia mente fechada.
Perguntaram aos "burrinhos, fúteis, maricas" David, ao Filipe e à Coco: "como é que uma pessoa tem de se vestir para ir a uma festa vossa? por exemplo, a Dona Helena podia entrar?" [para quem não sabe, a Dona Helena é uma senhora da limpeza, já entradota, que anda de bata verde]. Ao que eles responderam: "porque não? o que nós defendemos é que cada pessoa vista o que quer, calce o que quer, seja como quer".
http://www.madsubculture.com/
http://escarradordedavidmotta.blogspot.com/
Eu chamar-lhe-ia mente fechada.
Perguntaram aos "burrinhos, fúteis, maricas" David, ao Filipe e à Coco: "como é que uma pessoa tem de se vestir para ir a uma festa vossa? por exemplo, a Dona Helena podia entrar?" [para quem não sabe, a Dona Helena é uma senhora da limpeza, já entradota, que anda de bata verde]. Ao que eles responderam: "porque não? o que nós defendemos é que cada pessoa vista o que quer, calce o que quer, seja como quer".
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7 comentários:
vamos para barcelona?? ;)
Sem internet fora no job há quase duas semanas, fui ainda assim espreitar o escarrador. É féxon, é hiper-hiper-hipercool. Pareceu-me também quase caricaturalmente vazio que não de modelinhos e modelinhas (e gurus do biz - anna wintour et al). Há 40 anos, em pleno delírio-todos-juntos-vamos-mudar-o-mundo hippie, a Factory era uma constelação que irradiava luz negra (e escarrava muito lixo sem préstimo, a começar pelos filmes, especialmente os do morrissey): era verdadeiramente subversiva. Pareceu-me que só no contexto da pasmaceira nacional é que a extravagância deste grupo passaria por remotamente inovadora ou criativa. Quanto a a D. Helena entrar na festa senão como bombo, tenho as minhas dúvidas. Mas, sendo quem sou - a cobra - nada que surpreenda.
P.S.: o teu texto, no entanto, está soberbo (desculpa o pretensiosismo do adjectivo, e o de todo o comentário). É a diferença entre ser cool e ser.
Nada contra a extravagância, eu próprio me visto de forma menos convencional.. O que não compreendo é o deslumbramento do autor deste texto por estes jovens, em relação aos quais nada tenho contra. O que eles estão a fazer não tem nada de novo, nada de extravagante. Só mesmo neste país pequenino e retrogada.. Ser inovador é fazer algo novo..é bastante facil perceber que estes miudos querem ser uma coisa que não são.. diria, morangos com açucar versão baile de mascaras. PEace:)
Adorei ler! Fantástico! Revejo-me por completo na mensagem...
Já tinha saudades de um bom texto depois de 20 e tal dias de férias. Tive pena de não ver o programa.
Beijos!
Clara, muitos parabens pelo texto e pela opinião, não podia estar mais de acordo. Muita mente fechada neste pais...
Sou seguidora e fã do blog!! Este texto está brilhante!
Parabéns.
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