quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Um fascista na mesa, um anarca na cama


...ou no sofá ou nos campos da Quinta do Vimieiro. Ao que parece, segundo uma mini-série transmitida no início da semana, Salazar, uma figura que sempre tomei por assexuada, não teve sequer umas poucas namoradas, como as pessoas normais. Era um autêntico Don Juan. Melhor, um James Bond. Sempre que uma mulher bonita lhe chamava «Doutor Salazar», ele emendava: «António. Trate-me por António». Conquista meninas do campo, virgens de boas famílias, jornalistas francesas, astrólogas e feministas sensuais, mas não fica com nenhuma. Claro que ao seu lado tem a apaixonadíssima e muito devotada Maria, governanta de origens simples, trabalhadora, leal e excelente dona de casa. No fundo, o que propagandeava como mulher ideal – para os outros, não para si.

Como qualquer ditador, Salazar até teria esse poderoso talento da persuasão. Mas, sejamos razoáveis, aquele homem seco e aparentemente nascido já velho teria sérias dificuldades em conquistar a Soraia Chaves. A escolha do cheio-de-atributos Diogo Morgado para o papel não chega para nos esquecermos da falta de charme do verdadeiro.

Está na moda mostrar que o nosso tão fraquinho ditador também tinha vida pessoal, coitado, que até era de bons sentimentos. Foi mal aconselhado! Quem sabe se não foi mesmo obrigado por outros a perseguir, torturar, censurar; o pobre que era só um romântico. Se vasculharem bem nos empoeirados documentos escondidos na biblioteca de Santa Comba Dão, ainda descobrirão que Salazar, quando caía a noite, de mascarilha preta, espada em punho e capa esvoaçante, saltava de telhado em telhado no casario lisboeta, salvando os fracos e oprimidos (por ele, provavelmente).

Nasci em 84. Já andávamos a tentar ser uma democracia há dez anos. O sr. Oliveira Salazar, para mim, é figura de livros de História e personagem de conversas de pessoas mais velhas – sempre ditador, sempre de pensamento mesquinho, sempre uma das razões do atraso do nosso país, por tão bem personificar o que Portugal tem de pior: a pequenez, o provincianismo, o cinzentismo, a paralisia. Mas, afinal, atrás da cortina, deitava-se primeiro e olhava para ver quem estava na cama depois, sem regras, charmoso e sensual. Nunca se casou, porque se dizia casado com a Pátria. Se é assim, e acreditando no que vi na mini-série, Salazar deixou a Pátria enfeitada com muitos e bem grandes pares de cornos.


Publicado no JL nº1001, de 11 de Fevereiro

3 comentários:

Ela adormecida disse...

Brilhante!! :P *

Anónimo disse...

Muito bom! Espero que tenhas escapado sã e salva às bengaladas salazarentas dos velhinhos saudosos do tempo do dr. Oliveira Salazar... perdão, do António.

Jota p\ extenso disse...

Se isso for verdade, então os cornos devem dar pelo menos para chegar até às Astúrias.
E já agora, Olivença é nossa.