sexta-feira, 17 de abril de 2009

Carta aberta a Youssef

Autumn Self-Portrait
Paris 2004


Youssef Nabil tira fotografias com uma máquina que não tem megapixeis nem zoom digital nem crops, brightness e contrast. A máquina é daquelas que não deixa ver as fotografias, que têm de ser tiradas com muita atenção, porque os rolos são caros. Saem a preto e branco. Depois, Youssef pinta-as, com um realismo que parece mais real do que o que é realmente. Notam-se as pinceladas e as imperfeições (serão?) se se olhar de perto. As mulheres não têm rugas. Ele recusa-se a pintar esses vincos que se ganham por se estar há muito tempo com a cabeça encostada ao mundo dos vivos.


Caro Youssef:

Descobri-te há pouco tempo (ontem só), a ti e às tuas fotografias pintadas. Suspeito que tu é que me descobriste já há muito. A mim e a todos os outros, aqueles que moram ao nosso lado. Mas não se deve falar pelas bocas alheias, por isso direi apenas 'eu'.
Parece-me que tenho andado por aí (não lhe chamarei mundo, que não é verdade. vida, talvez.) a fazer o mesmo que tu. Não penses que te copio o estilo. Não sei arrancar arte de máquinas fotográficas e muito menos pintar. Mas também tiro fotografias a preto e branco das pessoas que vou conhecendo. Tiro-as para dentro de mim, entendes? Só na minha cabeça. Aí estão as pessoas, todas elas só preto, branco e um ou outro cinzento. Então pinto-as. Já agora, para que saibas melhor quem sou, gosto de todas as cores menos laranja. Estava a pintar pessoas. Pois, na minha cabeça, lá lhes vou dando pinceladas coloridas, umas saem mais escuras, outonais (como tu, naquele auto-retrato), outras muito vivas, garridas, de vermelhos e verdes. Outras ainda podem ser cor-de-rosa pastilha elástica ou amarelo marshmellow. Os bebés, por exemplo.
"Pintas na tua cabeça? Arte contemporânea conceptual, é?", pensas tu. Não, nada disso. Entende: pinto as pessoas com os meus pincéis e as minhas tintas, dou-lhes as cores que quero. Percebes agora? Isto tem um senão: é que a pintura (e mesmo a fotografia) nunca soube captar a verdade. Tal como os nossos olhos. Por isso, às vezes penso que esta ou aquela pessoa é cor-de-rosa e depois venho a descobrir que afinal é cinzenta ou castanha-escura. Ou o contrário. Faço heróis de vilões e bruxas de princesas. Estás a ver, não é? Tenho grandes desilusões e grandes boas surpresas.
Não devia fazer assim. Sei que não devia imaginar que as pessoas são aquilo que não são. Mas também não acredito que consiga parar de as pintar como a minha imaginação manda. Como se trava a arte?

Um beijo,

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