sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Imagino e uma gargalhada


Imagina que um dia perdes isso tudo que te trava, a timidez, o medo de falhar, a dependência que tens do que dizem os outros, a urgência em pareceres bonita, inteligente, culta, mesmo que não o sejas tanto assim. Imagina que estás na rua, tens um homem bonito à tua frente, um homem que desejas com ardor, que amas mas não descobriste ainda. Depois, sobes para um sítio qualquer elevado, ainda na rua, mas que só ele vê. Despes o casaco, encolhes ligeiramente os ombros com o frio, esticas o pé direito enquanto inclinas o pescoço para o lado esquerdo. Imagina que começas a dançar para aquele homem. Elevas os braços levemente, lentamente até ultrapassarem a cabeça. De forma igualmente lenta, dobras a perna até o pé tocar no joelho. Depois, suave, quase imperceptível, levantas a perna, muito esticada, até atingir o máximo, apontada para o céu. Os braços já estão em baixo. Desces a perna, olhas nos olhos do homem bonito que tens em frente e inclinas o tronco, para a frente, para ele, até tocá-lo quase. Quando já sentes a sua respiração no teu decote, voltas para trás subitamente, rodopias, duas, três vezes e aterras no chão de mãos estendidas. Aproximas-te dele e sentas-te à sua frente, as pernas enlaçam o seu tronco.

Imagina que ele diz: "hoje não".

O tempo passa e reencontras esse homem, mais bonito ainda que da última vez. E ele com os olhos que dizem: não precisas de dançar de novo, hoje sim. Agarra-te com as duas mãos, debaixo dos braços, sobre as costelas, com os polegares muito perto do peito. Beija-te na boca até te inclinares, braços abandonados. Vira-te de costas, afasta-te o cabelo e beija-te naquele sítio certo, a meio caminho entre o ombro e a nuca. Desce-te o fecho do vestido, devagar, deita-te na cama e deita-se por cima de ti. Olha-te nos olhos e tu, totalmente desprotegida, nua, completamente nua mesmo antes de o estares.

Suspirámos uma última vez e acabou o filme. Cate Blanchett e Brad Pitt, excelentes e lindos, porque não sabem ser de outra maneira, protagonizam estas cenas e muitas outras. O Estranho Caso de Benjamin Button é um filme assim, todo suspiros e respiração presa, e "quem me dera ter um assim. não, não dera, depois não sabia que fazer com aquilo tudo e morreria angustiada de ciúmes". Já cá fora, rimo-nos muito para disfarçar o frio e fomos embora. Pelo meio, "levas-me a casa?", "os homens estão todos malucos", "é aqui que viro para o campo mártires da pátria?", "ah! nem te contei...", "que giro que isso tudo seria se ele não fosse comprometido".

A certa altura, páro o carro junto a uma passadeira para deixar passar o peão. A Gema, ao meu lado, ri-se muito. Olho com atenção e percebo que o peão que vi é um travesti, micro-saia e meia de rede, que obviamente não quer passar, mas passear, e de preferência voltar com o bolso mais pesado.

Não dançamos no meio da rua para o Brad Pitt, mas sabemos dar gargalhadas. Daquelas muito, muito boas.

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