Passei por uma montra esta noite e lá estavam eles. Uns ténis iguais aos dele. Nunca tinha visto uns iguais senão nos seus pés. E, enquanto segurava o guarda-chuva numa mão e um sundae de caramelo na outra, parei a olhar para aquela montra, para aqueles ténis e todas as lembranças saltaram de repente do lugar onde têm estado guardadas em sossego.
Olho para eles e lembram-me a calma de Castro Daire, as ruas calcetadas de Viseu, os fins-de-semana em Vila Real e uma viagem ao Porto. Foram aqueles ténis que pisaram o acelerador por minutos e quilómetros sem conta para encontrarem por fim descanso ao lado dos meus. E nós dormíamos e eles dormiam. Tantas noites no meu 103 e num 200, que já não me lembro se seria 4, ou 6, ou 8…
Tantos dias, que agora contados foram na verdade tão poucos. Ele com aqueles ténis calçados e eu quase descalça, fomos felizes juntos. E dançávamos, dançávamos, dançávamos.
Uma vez vimos numa revista que tinha aberto uma loja nova no Bairro Alto e fizemos planos de a conhecermos juntos e talvez arranjar uns rivais àqueles seus ténis. “Quando estivermos lá em baixo...”, dizíamos. Mas não chegámos juntos. Hoje já não me lembro de todos os traços da cara dele, é difícil recordar a sua voz, esqueci-me do som da gargalhada. Lembro-me dos beijos e dos nossos corpos encostados em danças perfeitas. Lembro-me de uma noite de medo em que chamou por mim e lembro-me do olhar quando eu cheguei. É bom quando nos sentimos o balão de oxigénio de alguém, foi bom sentir aquele olhar. Se ao menos tivesse durado um bocadinho mais...
O que vivemos ficou ali, preso naqueles sítios e irremediavelmente amarrado àquele tempo. E, no dia em que encontrei um par de ténis igual, não consegui deixar de pensar nos outros pregados ao passeio, enquanto as rodas do meu carro aceleravam, fazendo muita força para não olhar para trás.
5 comentários:
Para o Proust, eram madalenas, para ti, uns ténis Nike. Maldita memória, que um nada faz disparar para nos lembrar do essencial sem nos deixar chegar ao acessório de que são feitos os dias... Também tenho uns ténis perdidos algures, à espera de me assaltarem no vislumbre de uma montra... Culebra
Algum dia haverias de olhar para trás. Num destes dias assim, mais sós. Pelo menos, lembraste-te de que as coisas boas acontecem. E não duram para sempre, porque a seguir virão outras muito melhores...*
E eram mesmo da Nike, sua cobra adivinha :)
Fui googlar "passado" e eis que me deparo com uma máxima...err...lol, estou a brincar :P
Minha linda Gema, encontrei algures este pensamento num texto perdido de Shakespeare: "Atiramos o passado ao abismo, mas não nos inclinamos para ver se está bem morto".
Eu acho que não faz mal recordarmo-nos do passado. Não queiras fugir de ti própria. Porque de ti faz parte o que passou, por onde e por quem passas e por quem passa por ti. Ontem e hoje.
Love u *
este texto está lindo gema :). deixou a lagrimazinha no canto do olho. mtos beijinhos
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